“O espírita faz mais do que acreditar no futuro. Ele sabe, não pelos olhos da fé, mas pelos exemplos que tem diante de si, que a vida futura, à qual não se subtrai, é feliz ou infeliz conforme o emprego que faça da vida corpórea, e que a felicidade é proporcional ao bem que ele fez.
Ora, com a certeza de viver depois da morte, e de viver muito mais tempo do que na Terra, é muito natural que pense em lá ser o mais feliz possível. Tem certeza, por outro lado, que lá será infeliz se não praticar o bem, ou mesmo se, não fazendo o mal, nada faz. Ele compreende a necessidade de uma ocupação, o melhor preservativo contra a hipocondria. Com a certeza do futuro, ele tem um objetivo. Com a dúvida, não o tem. É tomado pelo aborrecimento e acaba com a vida porque nada mais espera.
Permitam-nos uma comparação talvez trivial, mas à qual não falta analogia. Um homem passou uma hora no teatro. Se pensa que a peça acabou, levanta-se e sai. Mas se souber que ainda vão representar coisa melhor e mais longa do que o que viu, ficará, mesmo que no pior lugar. A espera do melhor nele vencerá a fadiga.
As mesmas causas que conduzem ao suicídio também produzem a loucura. O remédio de um é o remédio da outra, conforme o demonstramos. Infelizmente, enquanto a medicina só levar em conta o elemento material, privar-se-á de todas as luzes que lhe traria o elemento espiritual, que representa um papel muito ativo num grande número de afecções.
Além disso, o Espiritismo nos revela a causa primeira do suicídio, e só ele poderia fazê-lo. As tribulações da vida são ao mesmo tempo expiações de faltas cometidas no passado e provas para o futuro. O próprio Espírito as escolhe, com vistas ao seu adiantamento, mas pode acontecer que durante a execução da obra ache a carga muito pesada e recue antes da sua conclusão. É então que ele recorre ao suicídio, o que o retarda em vez de fazê-lo avançar.
Acontece ainda que um Espírito suicidou-se em precedente encarnação e que, como expiação, é-lhe imposto, na seguinte, lutar contra a tendência ao suicídio. Se for vitorioso, progride. Se sucumbir, terá que recomeçar uma vida talvez mais penosa ainda que a precedente, e assim deverá lutar até que haja triunfado, pois toda recompensa na outra vida é fruto de uma vitória, e quem diz vitória, diz luta.
Assim, na certeza que tem o espírita desse estado de coisas, ele haure uma força de perseverança que nenhuma outra filosofia lhe poderia dar.
– Allan Kardec. Revista Espírita, julho de 1862 – Estatística de suicídios.