Ela era cega de nascimento e filha de um rendeiro das cercanias de Tolosa. Faleceu em 1855, aos 45 anos. Ocupava-se constantemente com o ensino do catecismo aos meninos preparando-os para a primeira comunhão. Mudado o catecismo, nenhuma dificuldade lhe sobreveio em ensinar o novo, por conhecê-los ambos de cor. De regresso de longa excursão em tarde invernosa, na companhia de uma tia, era-lhe preciso atravessar sombria floresta por caminhos lamacentos. Fazia-se mister a maior precaução para que as duas mulheres se não despenhassem nos fossos. Nesta contingência, querendo a tia dar-lhe a mão, ela disse: “Não vos incomodeis comigo, não corro risco algum, uma vez que tenho aos ombros uma luz que me guia. Segui-me, pois, que serei eu a conduzir-vos.” Assim terminaram a jornada impunemente, conduzindo a cega à tia que não o era.
(Evocação em Paris — maio de 1865)
P. Quereis dizer-nos que luz seria essa a guiar-vos naquela noite trevosa e só vista por vós?
R. Que! Pois as pessoas como vós, em contínuas relações com os Espíritos, tem necessidade de explicação acerca de um fato como esse? Era o meu anjo de guarda quem me guiava.
P. Essa era também a nossa opinião, mas desejávamos vê-la conformada. Mas sabíeis naquela ocasião que era o vosso anjo de guarda quem vos conduzia?
R. Confesso que não, posto acreditasse numa intervenção do céu. Eu, orara por tanto tempo para que o Pai celestial se apiedasse de mim… É tão cruel a cegueira… Sim, ela é bem cruel, mas também reconheço ser justa. “Aqueles que pecam pelos olhos, por eles devem ser punidos; e assim deve suceder relativamente a todas as outras faculdades do homem, que o levem ao abuso. Não procureis, portanto, nos inúmeros sofrimentos humanos, outra causa que não seja aquela que lhes é própria e natural a expiação.” Esta, contudo, só é meritória quando suportada com humildade, podendo ser suavizada por meio da prece, pela atração de influências espirituais que, protegendo os réus da penitenciária humana, lhes infundam esperança e conforto.
P. Dedicada ao ensino das crianças pobres, tivestes dificuldades em adquirir os conhecimentos do catecismo, quando o mudaram?
R. Ordinariamente, os cegos têm outros sentidos duplos, se assim se pode dizer. A observação não é uma das menores faculdades da sua natureza. “A memória é para eles como um armário onde se colocam coordenados e, para sempre, os ensinos respectivos às suas aptidões e tendências. Uma vez que nada do exterior pode perturbar essa faculdade, o seu desenvolvimento pode ser notável, pela educação. Quanto a mim, agradeço a Deus o haver-me concedido que essa faculdade me permitisse preencher a missão que levava, junto dessas crianças, e que constituía também uma reparação do mau exemplo que lhes dera em anterior existência. Tudo é assunto sério para os espíritas; basta, para afirmá-lo, olhar ao derredor deles. Os meus ensinos lhes seriam porventura mais úteis do que se deixassem levar pelas sutilezas filosóficas de certos espíritos, que se divertem com lisonjear-lhes o orgulho em frases tão bombásticas quão vazias de sentido.”
P. Pelo vosso procedimento tivemos uma prova do vosso adiantamento moral, e agora, pela vossa linguagem, temos que esse adiantamento também é intelectual.
R. Muito me resta por adquirir; há, porém, muita gente que na Terra passa por ignorante, só porque tem a inteligência embotada pela expiação. Com a morte se rasga o véu e frequentemente os ignorantes são mais instruídos do que aqueles que lhes desdenham a ignorância. Crede que o orgulho é a pedra de toque para conhecimento dos homens. Todos aqueles que possuírem coração acessível à lisonja, demasiado confiantes na sua ciência, estão no mau caminho; em geral são hipócritas e, portanto, desconfiai deles. Sede humildes como o foi o Cristo, e como ele, com amor carregai a vossa cruz, a fim de subirdes ao reino dos céus.”
Francisca Vernhes.