Advertências de Allan Kardec sobre os inimigos disfarçados
Compreende-se que tenham muito mais facilidade de se infiltrar nas reuniões numerosas do que nos pequenos grupos em que todos se conhecem. Graças a manobras escusas, que passam despercebidas, semeiam a dúvida, a desconfiança e a inimizade. Sob a aparência de interesse pela causa criticam tudo, formam grupinhos que logo rompem a harmonia do conjunto. É o que eles querem.
Tratando com essas pessoas é inútil apelar aos sentimentos de caridade e fraternidade, seria como falar a surdos voluntários, porque o seu objetivo é precisamente o de destruir esses sentimentos que são o maior obstáculo às suas manobras. Essa situação, prejudicial a todas as sociedades, o é ainda mais às sociedades espíritas, pois se não levar a uma ruptura provocará preocupações incompatíveis com o recolhimento exigido pelos trabalhos.2
As sociedades, pequenas ou grandes e todas as reuniões, seja qual for a sua importância, têm ainda de lutar contra outra dificuldade. Os fatores de perturbação não se encontram somente entre os seus membros, mas também no mundo invisível. Assim como há Espíritos protetores para as instituições, as cidades e os povos, os Espíritos malfeitores também se ligam aos grupos e aos indivíduos.
Ligam-se primeiro aos mais fracos aos mais acessíveis, procurando transformá-los em seus instrumentos, e pouco a pouco, vão envolvendo a todos, porque sua alegria maligna é tanto maior quanto maior o número dos que tenham subjugado. Todas as vezes, pois, que num grupo uma pessoa tenha caído na armadilha é necessário dizer que se tem um inimigo no campo, um lobo no redil e que se deve ter cautela porque o mais provável é que aumente as suas tentativas.
Se não se desencorajar esse elemento por uma resistência enérgica, a obsessão se torna um mal contagioso que se manifestará entre os médiuns pela perturbação da mediunidade e entre os demais pela hostilidade recíproca, a perversão do senso moral e a destruição da harmonia. Como o mais poderoso antídoto desse veneno é a caridade, é ela que eles procuram abafar. Não se deve pois esperar que o mal se torne incurável para lhe aplicar o remédio. Nem mesmo se devem esperar os primeiros sintomas, pois é necessário sobretudo preveni-lo.
Para isso há dois meios eficazes, quando bem aplicados: a prece feita de coração e o estudo atento dos menores sintomas que revelem a presença de Espíritos mistificadores. A primeira atrai os Espíritos bons que só assistem zelosamente aos que sabem secundá-los pela confiança em Deus; o outro prova aos maus que se puseram em relação com pessoas esclarecidas e bastante sensatas para não se deixarem enganar.
Se um dos membros do grupo cair sob a influência da obsessão, todos os esforços devem tender, desde os primeiros sinais, a lhe abrir os olhos, antes que o mal se agrave, a fim de levá-lo à compreensão de que foi enganado e ao desejo de ajudar os que o procuram livrar.3
Pode-se pois estabelecer em princípio que todo aquele que numa reunião espírita provoca desordem ou desunião, ostensivamente ou por meios escusos, é um agente provocador ou pelo menos um mal espírita de que se deve desembaraçar o quanto antes. Entretanto os próprios compromissos que ligam os membros de uma sociedade criam obstáculos para isso. Eis porque é conveniente evitar as formas de compromissos indissolúveis: os homens de bem sempre se ligam de maneira conveniente; os mal intencionados sempre o fazem de maneira excessiva.4
Se os inimigos externos nada podem contra o Espiritismo, o mesmo não se dá com os de dentro. Refiro-me aos que são mais espíritas de nome que de fato, sem falar dos que do Espiritismo apenas têm a máscara. O mais belo lado do Espiritismo é o lado moral. É por suas consequências morais que triunfará, pois aí está a sua força, por aí é invulnerável. Inscreve em sua bandeira: Amor e Caridade e, ante esse paládio mais poderoso que o de Minerva, porque vem do Cristo, a própria incredulidade se inclina.
Que se pode opor a uma doutrina que leva os homens a se amarem como irmãos? Se não se admitir a causa, ao menos respeitar-se-á o efeito. Ora, o melhor meio de provar a realidade do efeito é fazer sua aplicação a si mesmo; é mostrar aos inimigos da doutrina, pelo próprio exemplo, que ela realmente torna melhor. Mas como convencer que um instrumento pode produzir harmonia, se ele emite sons dissonantes? Assim, como persuadir que o Espiritismo deve conduzir à concórdia, se os que o professam, ou são supostos professos, o que para os adversários dá na mesma, se atiram pedras? Se uma simples susceptibilidade do amor-próprio, de hierarquia basta para dividi-los? Não é o meio de destruir seu próprio argumento?
Os mais perigosos inimigos do Espiritismo são, pois, os que o fazem mentir a si mesmo, não praticando a lei que eles proclamam. Seria puerilidade criar dissidência pelas nuanças de opinião. Haveria evidente malevolência, esquecimento do primeiro dever do verdadeiro espírita, de separar-se por uma questão pessoal, pois o sentimento de personalidade é fruto do orgulho e do egoísmo.5
Pelos inimigos do Espiritismo
(Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo » Cap. 28 - Coletânea de preces Espíritas » Item 51)
De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que compreende também a liberdade de consciência. Lançar o anátema contra os que não pensam como nós, é reclamar essa liberdade para nós e recusá-la aos outros, e é violar o primeiro mandamento de Jesus: o da caridade e do amor do próximo. Perseguir os outros pela crença que professam, é atentar contra o mais sagrado direito do homem: o de crer no que lhe convém, adorando a Deus como lhe parece melhor. Constrangê-los à prática de atos exteriores semelhantes aos nossos, é mostrar que nos apegamos mais à forma do que à essência, mais às aparências do que à convicção. A abjuração forçada jamais produziu a fé. Só pode fazer hipócritas. É um abuso da força material, que não prova a verdade. Porque a verdade é segura de si mesma; convence e não persegue, porque não tem necessidade de fazê-lo.
O Espiritismo é uma opinião, uma crença; fosse mesmo uma religião, por que não teriam os seus adeptos a liberdade de se dizerem espíritas, como a tem os católicos, os judeus e os protestantes, os partidários desta ou daquela doutrina filosófica, deste ou daquele sistema econômico? Esta crença é falsa ou verdadeira: se for falsa, cairá por si mesma, porque o erro não pode prevalecer contra a verdade, quando a luz se faz nas inteligências; e se é verdadeira, a perseguição não a tornará falsa.
A perseguição é o batismo de toda ideia nova, grande e justa, cuja propagação aumenta, na razão da grandeza e da importância da ideia. O furor e a cólera dos seus inimigos são equivalentes ao temor que ela lhes infunde. Foi essa a razão das perseguições ao Cristianismo na antiguidade, e essa a razão das perseguições ao Espiritismo, na atualidade, com a diferença de que o Cristianismo foi perseguido pelos pagãos, e o Espiritismo o é pelos cristãos. O tempo das perseguições sanguinárias já passou, é verdade, mas se hoje não matam o corpo, torturam a alma. Atacam-na até mesmo nos seus sentimentos mais profundos, nas suas mais caras afeições. As famílias são divididas, excitando-se a mãe contra a filha, a mulher contra o marido. E mesmo a agressão física não falta, atacando-se o corpo no tocante às suas necessidades materiais, ao tirarem às pessoas o próprio ganha pão, para reduzi-las à fome.
Espíritas, não vos aflijais com os golpes que vos desferem, pois são eles a prova de que estais com a verdade. Se não o estivésseis, vos deixariam em paz, não vos agrediriam. É uma prova para a vossa fé, pois é pela vossa coragem, pela vossa resignação, pela vossa perseverança, que Deus vos reconhece entre os seus fiéis servidores, os quais já está contando desde hoje, para dar a cada um a parte que lhe cabe, segundo suas obras.
A exemplo dos primeiros cristãos, orgulhai-vos de carregar a vossa cruz. Crede na palavra do Cristo, que disse: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma”. E acrescentou: “Amai aos vossos inimigos, fazei bem aos que vos fazem mal, e orai pelos que vos perseguem”. Mostrai que sois os seus verdadeiros discípulos, e que a vossa doutrina é boa, fazendo, para isso, o que ele ensinou e exemplificou. A perseguição será temporária. Esperai, pois, pacientemente, o romper da aurora, porque a estrela da manhã já se levanta no horizonte.