Ação oculta dos espíritos sobre os homens: Revista Espírita, dezembro de 1862

Ação oculta dos espíritos sobre os homens: Revista Espírita, dezembro de 1862.

Examinemos, agora, o modo recíproco de ação dos Espíritos encarnados e desencarnados. Sabemos que os Espíritos são revestidos de um envoltório vaporoso, formando para eles um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, e cujos elementos são colhidos do fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas.

Quando o Espírito se une a um corpo, aí vive com seu perispírito, que serve de ligação entre o Espírito propriamente dito e a matéria corporal; é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas o perispírito não está confinado no corpo, como numa caixa; por sua natureza fluídica, ele irradia para o exterior e forma em torno do corpo uma espécie de atmosfera, como o vapor que dele se desprende.

Mas o vapor liberado de um corpo enfermiço é igualmente insalubre, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas doentes. Assim como esse vapor é impregnado das qualidades do corpo, o perispírito é impregnado de qualidades, isto é, do pensamento do Espírito, e irradia tais qualidades em torno do corpo. (…)

(…) Por sua natureza fluídica, essencialmente móvel e elástica, se assim nos podemos exprimir, como agente direto do Espírito, o perispírito é posto em ação e projeta raios pela vontade do Espírito. Por esses raios ele serve à transmissão do pensamento, porque, de certa forma, está animado pelo pensamento do Espírito.

Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por seu intermédio que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade; é, também, por seu intermédio que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito.

Destruído o corpo sólido pela morte, o Espírito não age mais e não percebe senão pelo seu corpo fluídico, ou perispírito, razão por que age mais facilmente e percebe melhor, já que o corpo é um entrave. Tudo isto é ainda resultado da observação.

Suponhamos agora duas pessoas próximas, cada qual envolvida – que nos permitam o neologismo – por sua atmosfera perispiritual. Esses dois fluidos põem-se em contato e se interpenetram; se forem de natureza antipática, repelem-se e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar ao se aproximarem um do outro, sem disso se darem conta; se, ao contrário, forem movidos por sentimentos de benevolência, terão um pensamento benevolente, que atrai.

Tal a causa pela qual duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo não sei quê por vezes nos diz que a pessoa com a qual nos defrontamos deve ser animada por tal ou qual sentimento. Ora, esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento.

Desde logo se compreende que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é muito mais livre do que no estado de encarnação, já não necessitam de sons articulados para se entenderem.

O fluido perispiritual do encarnado é, pois, acionado pelo Espírito. Se, por sua vontade, o Espírito, por assim dizer, dardeja raios sobre outro indivíduo, os raios o penetram.

Daí a ação magnética mais ou menos poderosa, conforme a vontade; mais ou menos benfazeja, conforme sejam os raios de natureza melhor ou pior, mais ou menos vivificante. Porque podem, por sua ação, penetrar os órgãos e, em certos casos, restabelecer o estado normal.

Sabe-se da importância das qualidades morais do magnetizador. Aquilo que pode fazer o Espírito encarnado, dardejando seu próprio fluido sobre uma pessoa, um Espírito desencarnado também o pode, visto ter o mesmo fluido, ou seja, pode magnetizar. Conforme seja bom ou mau o fluido, sua ação será benéfica ou prejudicial.

Assim, facilmente nos damos conta da natureza das impressões que recebemos, de acordo com o meio onde nos encontramos. Se uma assembléia for composta de pessoas animadas de maus sentimentos, o ar ambiente será saturado com o fluido impregnado de seus sentimentos.

Daí, para as almas boas, um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas emanações mefíticas: a alma fica asfixiada. Se, ao contrário, as pessoas tiverem intenções puras, encontramo-nos em sua atmosfera como se estivéssemos num ar vivificante e salubre.

Naturalmente o efeito será o mesmo num ambiente repleto de Espíritos, conforme sejam bons ou maus. Isto bem compreendido, chegamos sem dificuldade à ação material dos Espíritos errantes sobre os encarnados e, daí, à explicação da mediunidade.

Quando um Espírito quer agir sobre uma pessoa, dela se aproxima e a envolve, por assim dizer, com o seu perispírito, como num manto; os fluidos se interpenetram, os dois pensamentos e as duas vontades se confundem e, então, o Espírito pode servir-se daquele corpo como se fora o seu próprio, fazê-lo agir à sua vontade, falar, escrever, desenhar, etc.

Tais são os médiuns. Se o Espírito for bom, sua ação será suave, benéfica, e só fará boas coisas; caso seja mau, fará maldades; se for perverso e mau, ele o constrange como se o imobilizasse numa camisa-de-força, até paralisar a vontade e a própria razão, que abafa com seus fluidos, como se apaga o fogo sob um lençol d’água.

Faz com que pense, fale e aja por ele, induzindo-o contra a vontade a praticar atos extravagantes ou ridículos; numa palavra, magnetiza-o e o faz entrar numa espécie de catalepsia moral, de modo que o indivíduo se torna um instrumento cego de sua vontade. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se apresentam em diversos graus de intensidade.

O paroxismo da subjugação é vulgarmente chamado possessão. É de notar-se que, neste estado, muitas vezes o indivíduo tem consciência do ridículo daquilo que faz, mas é constrangido a fazê-lo, como se um homem mais vigoroso que ele fizesse com que movesse, contra a vontade, os braços, as pernas, a língua.

Eis um curioso exemplo.

Numa pequena reunião em Bordeaux, em meio a uma evocação, o médium, um jovem de caráter suave e de perfeita urbanidade, de repente começa a bater na mesa, levanta-se com olhar ameaçador, mostrando os punhos aos assistentes, proferindo as mais grosseiras injúrias e querendo atirar-lhes um tinteiro.

A cena, tanto mais chocante quanto inesperada, durou cerca de dez minutos, depois do que o moço retomou sua calma habitual, desculpou-se do que se havia passado, dizendo saber perfeitamente que fizera e dissera coisas inconvenientes, mas que não pudera impedir.

Tomando conhecimento do fato, pedimos explicação numa sessão da Sociedade de Paris, sendo-nos respondido que o Espírito que o havia provocado era mais leviano do que mau e que simplesmente quisera divertir-se com o pavor dos assistentes.

O fato não mais se repetiu e o médium continuou a receber excelentes comunicações, o que vem provar a veracidade da explicação. É bom dizer o que provavelmente tenha excitado a verve daquele Espírito farsista. Um antigo maestro do teatro de Bordeaux, o Sr. Beck, tinha experimentado, durante vários anos antes de morrer, um fenômeno singular.

Todas as noites, ao sair do teatro, parecia-lhe que um homem lhe saltava às costas, escarranchava-se nas suas espáduas e se mantinha agarrado até que chegasse à porta de sua casa. Aí o suposto indivíduo descia e o Sr. Beck se via livre. Nessa reunião quiseram evocar o Sr. Beck e pedir-lhe uma explicação.

Foi então que o Espírito intrujão julgou por bem substituí-lo, fazendo o médium representar uma cena diabólica, certamente por nele ter encontrado as necessárias disposições fluídicas para o secundar. O que não passou de acidental naquela circunstância, por vezes toma um caráter permanente, quando o Espírito é mau, porque para ele o indivíduo se torna uma verdadeira vítima, à qual ele pode dar a aparência de verdadeira loucura.

Dizemos aparência, porquanto a loucura propriamente dita sempre resulta de uma alteração dos órgãos cerebrais, ao passo que, neste caso, os órgãos estão de tal modo intactos quanto os do rapaz de quem acabamos de falar. Não há, pois, loucura real, mas aparente, contra a qual os recursos da terapêutica são impotentes, como o prova a experiência. Ainda mais: eles podem produzir o que não existe.

As casas de alienados contam muitos doentes desse gênero, aos quais o contato com outros alienados só poderá ser muito prejudicial, porque este estado denota sempre uma certa fraqueza moral. Ao lado de todas as variedades de loucura patológica, convém, pois, acrescentar a loucura obsessiva, que requer meios especiais.

Mas como poderá um médico materialista estabelecer essa diferença, ou mesmo admiti-la?

Bravo! – irão exclamar os nossos adversários. Não se pode demonstrar melhor os perigos do Espiritismo e temos muita razão de proibi-lo.

Um instante! O que dissemos prova precisamente a sua utilidade.

Credes que os Espíritos maus, que pululam no meio da Humanidade, esperaram ser chamados para exercerem sua influência perniciosa? Desde que os Espíritos existirem em todos os tempos, em todos os tempos representaram o mesmo papel, porque esse papel está na Natureza; e a prova disso está no grande número de pessoas obsidiadas, ou possessas, se quiserdes, antes que se pensasse nos Espíritos ou, atualmente, sem que jamais se tivesse ouvido falar de Espiritismo e de médiuns.

A ação dos Espíritos, bons ou maus, é, pois, espontânea; a dos maus produz uma porção de perturbações na economia moral e mesmo física que, por ignorância da verdadeira causa, são atribuídas a causas erradas. Os Espíritos maus são inimigos invisíveis tanto mais perigosos quanto não se suspeitava de sua ação.

Pondo-os a descoberto, o Espiritismo vem revelar uma nova causa de certos males da Humanidade. Conhecida a causa, não se buscará mais combater o mal por meios que, doravante, sabemos inúteis; procurar-se-ão outros mais eficazes. Ora, o que levou à descoberta desta causa? A mediunidade.

Foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram sua presença; ela fez para ela o que fez o microscópio para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo. O Espiritismo não atraiu os Espíritos maus; ele os revelou e forneceu os meios de lhes paralisar a ação e, conseqüentemente, de os afastar.

Não trouxe, pois, o mal, pois este sempre existiu; ao contrário, trouxe o remédio ao mal, mostrando-lhe as causas. Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos e a Ciência, enriquecida com esta nova lei, verá desdobrarem-se novos horizontes à sua frente.

Quando lá chegará? Quando não mais professar o materialismo, pois o materialismo detém o seu avanço e lhe opõe uma barreira intransponível.

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