O céu – O Céu e o Inferno

1 — A palavra céu se aplica geralmente ao espaço infinito que envolve a Terra, e mais particularmente à parte que se eleva sobre o horizonte. Ela vem do latim coelum, formada do grego coilos: côncavo, porque o céu apresenta o aspecto de uma imensa concavidade. Os antigos acreditavam na existência de muitos céus superpostos, constituídos de matéria sólida e transparente, formando as esferas concêntricas que tinham a Terra por centro. Essas esferas, girando ao redor da Terra, arrastavam com elas os astros encontrados nos seus circuitos.

Essa ideia, decorrente da insuficiência dos conhecimentos astronómicos, foi a de todas as teogonias que fizeram dos céus, assim escalonados, os diferentes degraus da escala da beatitude. O último era a morada da suprema felicidade. Segundo a opinião mais comum, havia sete céus. Dai a expressão: Estar no sétimo céu para exprimir uma felicidade perfeita. Os muçulmanos admitiam a existência de nove céus, em cada um dos quais a felicidade dos crentes era maior. O astrônomo Ptolomeu contava onze, sendo o último chamado Empíreo em virtude da grande luminosidade que o caracterizava.

Esse é ainda hoje o nome poético dado à região da glória eterna. A teologia cristã reconhece a existência de três céus: O primeiro é a região do ar e das nuvens, o segundo é o espaço em que se movem os astros, o terceiro está além da região dos astros e é a morada do Supremo Ser e dos eleitos que o contemplam face a face. É de acordo com esta crença que se diz que São Paulo foi elevado ao terceiro céu.

2 — As diferentes doutrinas referentes à morada dos bem-aventurados repousam todas no duplo erro de que a Terra é o centro do Universo e de que a região dos astros é limitada. É além deste limite imaginário que todas elas colocam a região afortunada e a morada do Todo Poderoso. Estranha anomalia que coloca o autor de todas as coisas, Aquele que a todas governa, nos confins da criação ao invés do centro de onde a irradiação do seu pensamento poderia estender-se ao todo.

3 — A Ciência, com a inexorável lógica dos fatos e da observação, iluminou com a sua luz as profundezas do espaço e mostrou a nulidade de todas essas teorias. A Terra não é mais o centro do Universo, mas um dos seus menores astros girando na imensidade. O próprio sol é apenas o centro de um turbilhão planetário. As estrelas são inumeráveis sóis em torno dos quais giram inumeráveis mundos, separados por distâncias que são apenas acessíveis ao nosso pensamento, embora eles nos deem a impressão de se tocarem.

Nesse conjunto, regido por leis eternas que revelam a sabedoria e a onipotência do Criador, a Terra aparece como um ponto imperceptível e um dos menos favoráveis à habitabilidade. Dessa maneira pergunta-se porque Deus a teria feito a única sede da vida e relegado a ela as criaturas de sua predileção. Muito ao contrário, tudo nos diz que a vida se encontra por toda parte e que a Humanidade é infinita como o próprio Universo. A Ciência tendo nos revelado a existência de mundos semelhantes à Terra, é evidente que Deus não os podia ter criado sem finalidade: ele os deve ter povoado de seres capazes de os governar (11).

4 — As ideias do homem estão sempre na razão dos seus conhecimentos. Como todas as descobertas importantes, a da constituição dos mundos teve que influir nessas ideias mudando-lhes o curso. Sob a influência do s novos conhecimentos as crenças tiveram de modificar-se. O céu foi deslocado, a região das estrelas, sendo sem limites, não lhe deixa mais espaço. Para onde foi ele? Diante dessa pergunta todas as religiões permanecem mudas.

O Espiritismo vem resolvê-la ao demonstrar o verdadeiro destino do homem. A natureza deste último e os atributos de Deus sendo tomados como ponto de partida, chega-se à conclusão. Quer dizer que, partindo do conhecido chega-se ao desconhecido por uma dedução lógica, sem falar das observações diretas que permitem ao Espiritismo chegar a esse ponto.

5 — O homem se constitui de corpo e espírito. O Espírito é o ser principal, o ser racional, o ser inteligente. O corpo é o envoltório material que reveste temporariamente o Espírito para o cumprimento da sua missão na Terra, permitindo-lhe executar os trabalhos necessários ao seu adiantamento. O corpo se destrói depois de usado e o Espírito sobrevive a esta destruição. Sem o Espírito o corpo é apenas matéria inerte, como um instrumento privado do braço que o movimenta. Sem o corpo, o Espírito continua integral: É vida e inteligência. Deixando o corpo ele volta ao mundo espiritual de que saíra para se encarnar.

Há portanto o mundo corpóreo, constituído pelos Espíritos encarnados, e o mundo espiritual, constituído dos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corpóreo, em razão do seu envoltório material, estão ligados à Terra ou a qualquer outro globo. O mundo espiritual estende-se por toda parte, ao redor de nós e através do espaço. Nenhum limite podemos assinalar para ele. Em razão da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o constituem não se arrastam penosamente sobre o solo, mas atravessam as distâncias com a rapidez do pensamento. A morte do corpo é a ruptura dos laços que os re tinham cativos.

6 — Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas dispondo de aptidão para todas as aquisições e para progredir, em virtude do seu livre-arbítrio. Pelo progresso adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções e por conseguinte novas possibilidades de prazer, desconhecidas dos Espíritos inferiores. Eles vêem, ouvem, sentem e compreendem aquilo que os Espíritos atrasados não podem ver, nem ouvir, nem sentir e nem compreender.

A felicidade está na razão do progresso realizado. Dessa maneira, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz como o outro unicamente porque não é tão avançado intelectual e moralmente como ele, sem haver necessidade de cada um se encontrar numa região diferente.

Embora estando lado a lado, um pode se encontrar nas trevas enquanto para o outro tudo é resplandecente ao seu redor, da mesma maneira como um cego e um vidente podem se dar as mãos. Um percebe a luz que entretanto não impressiona o outro. A felicidade dos Espíritos, sendo inerente às suas próprias qualidades, eles a gozam por toda parte, onde quer que se encontrem, na face da Terra, entre os encarnados ou no espaço.

Uma comparação vulgar nos permitirá compreender ainda melhor esta situação. Se, num concerto se encontram dois homens: um bom músico de ouvidos exercitados, o outro sem conhecimentos musicais e de sentido auditivo pouco delicado, o primeiro experimenta uma sensação de felicidade enquanto o segundo permanece insensível. Isso porque um percebe e compreende o que não produz nenhuma impressão sobre o outro. Assim acontece com todas as alegrias dos Espíritos que estão na razão direta das suas aptidões para senti-las. O mundo espiritual está repleto de esplendores, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, ainda sujeitos às influências da matéria, não podem sequer entrever, pois são acessíveis apenas aos Espíritos depurados (12).

7 — O progresso dos Espíritos é o resultado do seu próprio trabalho. Mas como eles são livres e trabalham para o seu adiantamento com maior ou menor atividade ou negligência, segundo à sua vontade, eles apressam assim ou retardam o seu próprio progresso, o que vale dizer a sua felicidade. Enquanto uns avançam rapidamente, outros se arrastam por longos séculos nos lugares inferiores. Eles são, portanto, os próprios artífices da sua situação feliz ou desgraçada, segundo estas palavras do Cristo: A cada um segundo as suas obras. Cada Espírito que fica atrasado só pode lamentar-se de si mesmo, como aquele que avança tem todo o mérito do seu progresso: A felicidade que conquistou tem assim mais valor aos seus próprios olhos (13).

A felicidade suprema é prémio exclusivo dos Espíritos perfeitos, o que vale dizer dos Espíritos puros. Eles a atingem só depois de haver progredido em inteligência e moralidade. O progresso intelectual e o progresso moral raramente andam juntos, mas o que o Espírito não consegue num determinado tempo, o consegue em outro, de maneira que essas duas formas de progresso acabam por atingir o mesmo nível. Essa a razão pela qual frequentemente se veem homens inteligentes e instruídos que são muito pouco avançados no terreno moral, e vice-versa.

8 — A encarnação é necessária ao Espírito para conseguir esse duplo progresso, intelectual e moral. O progresso intelectual é realizado pela atividade que é obrigado a desenvolver nos seus trabalhos. O progresso moral, pela necessidade das relações mútuas entre os homens. A vida social é a pedra de toque das boas e das más qualidades. A bondade, a maldade, a mansidão, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má fé, a hipocrisia, em uma palavra tudo o que constitui o homem de bem ou o homem perverso tem por motivo, por alvo e por estimulante as relações do homem com seus semelhantes. Para o homem que vive só não há vícios nem virtudes; se, pelo isolamento, ele se preserva do mal, também anula as possibilidades do bem (14).

9 — Uma só existência corpórea é evidentemente insuficiente para o Espírito adquirir tudo o que lhe falta no campo do bem e se desfazer de tudo o que possui de mal. O selvagem, por exemplo, jamais poderia atingir numa só encarnação o nível moral e intelectual de um europeu dos mais avançados. Isso seria materialmente impossível. Deveria ele então permanecer eternamente na ignorância e na barbárie, privado dos gozos que só o desenvolvimento das suas faculdades lhe pode proporcionar? O simples bom senso repele essa suposição, que seria ao mesmo tempo a negação da justiça e da bondade de Deus, bem como da lei de progresso que rege a Natureza. Eis porque Deus, soberanamente justo e bom, concede ao Espírito tantas existências quantas forem necessárias para atingir o seu objetivo, que é a perfeição.

Em cada nova existência o Espírito se apresenta com o que adquiriu nas precedentes em aptidões, em conhecimentos intuitivos, em inteligência e em moralidade. Cada existência é assim um passo dado no caminho do progresso (15).

A encarnação é inerente à condição de inferioridade dos Espíritos. Ela se torna desnecessária para aqueles que romperam esses limites e progrediram espiritualmente ou nas existências corporais dos mundos superiores, onde nada mais existe da materialidade terrena. Para esses a encarnação é voluntária, com o fim de exercer sobre os encarnados uma ação mais direta no cumprimento das missões de que estiverem encarregados. Eles aceitam as suas vicissitudes e os seus sofrimentos por abnegação.

10 — No intervalo das existências corpóreas o Espírito volta por tempo mais ou menos longo ao mundo espiritual, onde é feliz ou infeliz, segundo o bem ou o mal que tenha praticado. O estado espiritual é a situação normal do Espírito, pois esse deve ser o seu estado definitivo, e porque o corpo espiritual nunca morre. O estado corpóreo é apenas transitório, passageiro. É sobretudo no estado espiritual que ele recolhe os frutos do progresso realizado durante a encarnação. É então que ele também se prepara para novas lutas e toma resoluções que se esforçará para pôr em prática no seu retorno ao seio da humanidade.

O Espírito progride igualmente na erraticidade. Nela adquire conhecimentos especiais que não poderia adquirir na Terra. Suas ideias então se modificam. O estado corpóreo e o estado espiritual são para ele as fontes de duas formas de progresso que se desenvolvem solidárias. É por isso que ele passa alternativamente por esses dois modos de existência (16).

11 — A reencarnação pode se dar na Terra ou em outros mundos. Entre os mundos há os mais avançados, onde a existência decorre em condições menos penosas do que na Terra, física e moralmente. Mas nesses mundos só são admitidos os Espíritos que chegaram ao grau de perfeição a eles correspondentes.

A vida nos mundos superiores já é em si mesma uma recompensa, porque ali estaremos livres dos males e das vicissitudes que enfrentamos neste mundo. Os corpos menos materiais, quase fluídicos, não estão sujeitos às doenças, às dificuldades e nem mesmo às necessidades dos nossos. Os maus espíritos estando excluídos deles, os homens vivem em paz, cuidando apenas do seu progresso pelo trabalho da inteligência.

Nesses mundos, reinando a verdadeira fraternidade, não existe o egoísmo. A igualdade é legítima, porque não existe o orgulho. A liberdade é verdadeira porque não existem desordens que exijam repressão, nem ambições tentando oprimir os fracos. Comparados à Terra, esses mundos são verdadeiros paraísos e representam as diversas etapas da rota do progresso que conduz o Espírito ao seu estado definitivo. A Terra, sendo um mundo inferior destinado à depuração dos Espíritos imperfeitos, é essa a razão por que o mal nela domina até que praza a Deus transformá-la em morada de Espíritos adiantados.

É assim que o Espírito, progredindo gradualmente, à medida que se desenvolve vai chegando ao apogeu da felicidade. Mas ant es de atingir o ponto culminante da perfeição ele já goza de uma felicidade relativa ao seu progresso. É como a criança que gosta dos brinquedos nos seus primeiros anos, mais tarde prefere os prazeres da juventude e finalmente aqueles mais verdadeiros da idade madura.

12 — A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não está na ociosidade contemplativa, que seria, como frequentemente se diz, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual, em todos os seus graus, é pelo contrário uma atividade constante, mas livre de fadiga. A suprema felicidade consiste em desfrutar todos os esplendores da criação, que nenhuma linguagem humana poderia exprimir, que a mais fecunda imaginação não poderia conceber. Consiste ainda no conhecimento e na compreensão de toda s as coisas, na ausência de qualquer sofrimento físico e moral, na satisfação íntima, na serenidade do espírito que nada altera, no amor que une a todos os seres e portanto na ausência de todo o aborrecimento proveniente da relação com os maus, e acima de tudo na visão de Deus e na compreensão de seus mistérios revelados aos mais dignos.

Mas ela está também no exercício das funções que felicitam o Espírito encarnado. Os Espíritos puros são os Messias ou mensageiros de Deus para transmissão e a execução de seus desígnios. Eles cumprem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do Universo, incumbência gloriosa a que só chegam pela perfeição. Os de ordem mais elevada são os únicos que estão no segredo de Deus e se inspiram no seu pensamento, do qual são os representantes diretos.

13 — As atribuições dos Espíritos são proporcionais ao seu progresso, ao seu esclarecimento, às suas capacidades, à sua experiência e ao grau de confiança que merecem do Soberano Senhor. Não existem privilégios nem favores que não decorram do próprio mérito. Tudo é medido pela mais estrita justiça. As missões mais importantes só são confiadas aos que Deus sabe que estão em condições de cumpri-las e são incapazes de falir ou de comprometê-las na sua realização.

Enquanto sob o próprio olhar de Deus os mais dignos constituem o conselho supremo, aos principais Espíritos é entregue a direção dos turbilhões planetários e aos outros a dos mundos especiais. Vêm em seguida, na ordem do adiantamento e da disposição hierárquica, as atribuições mais restritas dos que são incumbidos da orientação dos povos, da proteção às famílias e aos indivíduos, de impulsionar cada ramo do progresso, das diversas operações da Natureza, até aos mais íntimos detalhes da criação. Nesse vasto e harmonioso conjunto há ocupações para todas as boas disposições. São ocupações aceitas com alegria e solicitadas com ardor porque representam um meio de adiantamento para os Espíritos que desejam elevar-se.

14 — Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há também as de todos os graus de importância entregues aos Espíritos de todas as ordens, o que nos permite dizer que cada encarnado tem a sua, ou seja: deveres a cumprir para o bem de seus semelhantes, desde o pai de família a quem incumbe o cuidado de fazer progredir os filhos, até o homem de gênio que lança na sociedade novos elementos de progresso. É nessas missões secundárias que frequentemente se verificam as falências, as prevaricações, as omissões, que entretanto só prejudicam ao próprio indivíduo e não ao conjunto.

15 — Todas as inteligências concorrem para a obra geral, qualquer que seja o seu grau de desenvolvimento, cada uma na medida das suas possibilidades. Umas como encarnadas, outras como Espíritos. Por toda parte deparamos com a atividade, desde o mais baixo ao mais alto da escala, todos se instruindo, se ajudando mutuamente, se apoiando e se dando as mãos para atingirem o alvo.

Assim se estabelece a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corpóreo, ou sej a entre os Espíritos e os homens, entre os Espíritos livres e os Espíritos cativos. Assim se perpetuam e se consolidam, pela depuração e pela continuidade das relações, as verdadeiras simpatias e as mais sagradas afeições.

Por toda parte, pois, há vida e movimento. Não há um recanto do infinito que não esteja povoado, nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por inumeráveis legiões de seres radiosos, invisíveis para os sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja visão enche de admiração e de alegria as almas libertas da matéria. Por toda parte enfim, a felicidade relativa a todos os graus de progresso, por todos os deveres cumpridos. Cada um carrega consigo os elementos de sua própria felicidade, na razão da categoria em que o coloca o seu grau de adiantamento.

A felicidade decorre das próprias qualidades dos indivíduos e não da condição material do meio em que se encontram. Ela está, portanto, em toda parte onde existam Espíritos capazes de ser felizes. Nenhum lugar determinado existe para ela no Universo. Em qualquer lugar que se encontre, os Espíritos puros podem contemplar a grandeza divina porque Deus está em tudo.

16 — Entretanto, a felicidade não é pessoal. Se somente a possuirmos em nós mesmos, se não pudermos partilhá-la com os outros, ela será egoísta e triste. Ela está também na comunhão de pensamentos que une os seres simpáticos. Os Espíritos felizes, atraídos uns aos outros pela semelhança de ideias e gostos, de sentimentos, formam vastos grupos ou famílias homogêneas, no seio das quais cada individualidade irradia suas próprias qualidades e se beneficia dos eflúvios serenos e benfazejos que emanam do conjunto. Os membros destes, ora se afastam para cumprir sua missão, ora se reúnem em algum lugar do espaço para se comunicarem os resultados dos seus trabalhos, ora se reúnem em redor de um Espírito de ordem superior para receber os seus conselhos e as suas instruções.

17 — Embora os Espíritos estejam por toda parte, os mundos constituem os lares em que eles de preferência se reúnem, em razão da sintonia existente entre eles e os que os habitam. Ao redor dos mundos adiantados a maioria dos Espíritos são superiores, ao redor dos mundos atrasados pululam os Espíritos inferiores. A Terra é ainda um destes últimos. Cada globo tem, portanto, de qualquer maneira, sua população própria de Espíritos encarnados e desencarnados, que se sustenta na maior parte pela encarnação e a desencarnação sucessivas. Essa população é mais estável nos mundos inferiores, onde os Espíritos são mais apegados à matéria, e é mais flutuante nos mundos superiores. Mas dos mundos que são focos de luz e de felicidade partem Espíritos que se dirigem aos mundos inferiores para neles semear os germes do progresso, para levar-lhes a consolação e a esperança, reerguendo os ânimos abatidos pelas provas da vida e às vezes neles se encarnando para cumprir com mais eficácia a sua missão.

18 — Nessa imensidade sem limites, onde está o céu? Está por toda parte, nada o cerca nem lhe serve de limites. Os mundos felizes são as últim as estações do caminho que a ele conduz, as virtudes favorecem a caminhada e os vícios impedem o seu acesso. Ao lado desse quadro grandioso que povoa todos os recantos do universo, que dá uma finalidade e uma razão de ser a todas as coisas da criação, como é pequena e mesquinha a doutrina que circunscreve a humanidade num imperceptível ponto do espaço, que no-la mostra começando num determinado instante para igualmente acabar um dia com o mundo que a carrega, tudo isso apenas num minuto dentro da eternidade!

Como é triste, fria e glacial essa doutrina quando nos apresenta todo o resto do universo, antes, durante e após a existência da humanidade terrena, sem vida, sem movimento, como um imenso deserto mergulhado no silêncio! Como é desesperadora ao figurar-nos um pequeno número de eleitos entregues à contemplação perpétua, enquanto a maioria das criaturas é condenada aos sofrimentos sem fim! Como é pungente para os corações amorosos a barreira que ela coloca entre os mortos e os vivos! As almas felizes, dizem, só pensam na sua felicidade e aquelas que são infelizes somente nas suas penas. É de admirar-se que o egoísmo reine sobre a Terra, quando no-lo mostram no próprio céu? Como, pois é estreita a ideia que ela nos oferece da grandeza, do poder e da bondade de Deus!

Mas como é sublime, ao contrário, a que o Espiritismo nos proporciona! Como a sua doutrina engrandece os conceitos, alarga o pensamento! Quem nos diz porém que ela é verdadeira. Primeiramente, a razão, em seguida, a revelação; depois, sua concordância com o desenvolvimento da ciência. Entre duas doutrinas, em que uma diminui e a outra amplia os atributos de Deus; uma está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; uma permanece no passado e a outra marcha para o futuro, o bom senso nos diz de que lado está a verdade. Que diante das duas cada um, no seu foro íntimo consulte as suas aspirações e uma voz interior lhe responderá. As aspirações são a própria voz de Deus que não pode enganar os homens. (17)

19 — Mas então porque Deus não revelou desde o princípio toda a verdade. Pela mesma razão que não se ensina às crianças o que se deve ensinar na idade madura. A revelação restrita era suficiente durante um certo período do desenvolvimento da humanidade. Deus a proporciona na medida da força dos espíritos. Estes recebem hoje uma revelação mais completa dada pelos mesmos Espíritos que já lhe deram uma revelação parcial em outro tempo, porque desde então desenvolveram-se em inteligência.

Antes que a ciência tivesse revelado aos homens as forças vivas da natureza, a constituição dos astros, a verdadeira posição e o processo de formação da Terra, poderiam eles compreender a imensidade do espaço e a multiplicidade dos mundos? Antes que a geologia tivesse provado como a Terra se formou, teriam eles podido desalojar o inferno do seu interior e compreender o sentido alegórico dos seis dias da criação? Antes que a astronomia tivesse descoberto as leis que regem o universo, teriam podido compreender que no espaço não existe alto nem baixo, que o céu não está acima das nuvens nem limitado pelas estrelas? Antes do desenvolvimento das ciências psicológicas poderiam identificar-se com a sua natureza espiritual, poderiam conceber, após a morte uma vida feliz ou infeliz que não estivesse circunscrita a determinado lugar e sob uma forma material?

Não. Compreendendo mais pelos sentidos do que pelo pensamento, o universo era demasiado vasto para essa compreensão, sendo necessário reduzi-lo a proporções menores para que pudesse caber na sua perspectiva mental, reservando-se para mais tarde a sua verdadeira compreensão. Uma revelação parcial tinha portanto a sua utilidade. Era prudente então, mas hoje é insuficiente. O erro está em se querer, não levando em conta o progresso da cultura, governar os homens amadurecidos com os preceitos que se aplicavam à infância. (Ver O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. III.)

NOTAS:

(11) A Terra é um dos mundos menos favoráveis à habitabilidade. Esta afirmação de Kardec é de grande importância, pois antecipa conhecimentos que só agora vão se firmando no mundo científico. A vida humana é breve e difícil, lutando o espírito e o corpo com hostilidades de toda espécie no solo planetário. Apesar disso, ainda há quem sustente a ideia de que somente a Terra deve ser habitada. Isso porque o homem se desenvolve aos poucos, penosamente, através dos milénios. Acostumado a encarar as coisas do ponto de vista humano, apega-se hoje ao homocentrismo, como antigamente se apegava ao geocentrismo. O Espiritismo antecipou a Era Cósmica, revelando a pluralidade dos mundos habitados. Consulte-se O Livro dos Espíritos a esse respeito e veja-se na coleção da Revista Espírita a maneira por que os Espíritos trataram desse problema com Kardec. (N. do T.)

(12) Assim, o Espiritismo confirma o adágio: A felicidade está dentro de nós, mas ao mesmo tempo desmente a suposição (da elite e não do povo) de que os ignorantes são mais felizes que os instruídos. Como pode uma criatura ignorante e grosseira sentir a verdadeira felicidade? Sujeita aos instintos animalesco s, presa de interesses mesquinhos, apegada a prazeres passageiros a felicidade dessas criaturas é ilusória e está arriscada a decepções contínuas. Na proporção em que a criatura se eleva os seus sentidos se refinam, os seus prazeres passam do plano das sensações materiais para o das sensações íntimas, espirituais, a sua felicidade se amplia em perspectivas jamais suspeitadas. Ela atinge, então, aquele estágio da evolução em que a felicidade se torna permanente e invariável, não perturbada por nenhum fato exterior, pois para esses fatos ela possui também uma visão e uma compreensão que nos escapa, e recursos que não possuímos para prestar ajuda e socorro eficientes. Não devemos, porém, confundir criaturas ignorantes e grosseiras com criaturas pobres, nascidas em meio social obscuro, desprovidas da cultura do mundo mas providas da cultura e do refinamento da alma. As condições sociais da Terra não correspondem às condições evolutivas do espírito. (N. do T.)

(13) O mérito do progresso implica também o desenvolvimento da responsabilidade. O Espírito que fracassa numa encarnação não retrocede no plano evolutivo, mas sente enfraquecer-se moralmente. Isso aumenta a sua necessidade de esforço próprio para recuperação do tempo perdido. O Espírito vitorioso dá o que podemos chamar um salto no tempo, o que aumenta a sua fé em Deus e a sua confiança em si mesmo. Ele se fortalece moralmente e eleva o seu senso de responsabilidade. Dali por diante as vitórias morais lhe serão mais fáceis. O progresso espiritual se verifica através dos saltos qualitativos de que trata Kierkegaard em seu ensaio sobre O Conceito de Angústia. Ao saltar no tempo o Espírito realiza também o salto interior da sua transformação moral. (N. do T.)

(14) Eis a razão por que o Espiritismo é inteiramente contrário ao misoneísmo, ao isolamento da criatura, mesmo a pretexto de consagrar-se a Deus. A dinâmica do desenvolvimento moral está sujeita à dinâmica do processo social. É na vida social que nos desenvolvemos moralmente. Se trabalhando a Natureza e as coisas, trabalhamos a nós mesmos, despertando nossa inteligência, por outro lado é no meio social que conseguimos o desenvolvimento moral, despertando a nossa afetividade. Fugir da vida social é portanto fugir de nós mesmos, fugir da própria finalidade da nossa encarnação. As igrejas começam agora a compreender isso, tomando as primeiras providências para acabar com os processos retrógrados de isolamento religioso a pretexto de viver para Deus. Só vivemos para Deus servindo ao próximo. (N. do T.)

(15) Temos aqui um princípio bem conhecido de Pedagogia. A Educação não tem por finalidade transmitir conhecimentos, mas preparar o educando para a aquisição de conhecimentos. O que se passa na reencarnação é precisamente isso. Podemos aprender muito numa existência, mas não são os conhecimentos formais que interessam ao Espírito, e sim o seu treinamento no aprendizado que desperta as suas faculdades cognitivas, a sua capacidade de aprender. Cada encarnação predispõe o Espírito a assimilar conhecimentos mais avançados na seguinte. Por isso é que não nascemos com a cabeça cheia de dados e informações, mas aparelhada com as intuições que nos determinam a vocação e a habilidade para diversos setores de atividades. A vida social é necessária porque só ela possui os estimulantes capazes de despertar no cérebro novo que vamos possuir as suas faculdades latentes. Isso explica o motivo por que as crianças abandonadas na selva ou isoladas do meio social não revelam desenvolvimento mental. Lembremos a maiêutica de Sócrates, ou seja, o processo por ele usado para arrancar o conhecimento de dentro dos seus próprios discípulos, ao invés de aplicar-lhes o ensino didático. (N. do T.)

(16) Vê-se claramente, neste trecho, como a cultura terrena é ainda apenas uma meia-cultura. Função do Espiritismo é completar essa cultura, dando-lhe as dimensões da realidade espiritual. A alternância de vidas, na Terra e no Espaço, faz do homem, não o existente das Filosofias existenciais, mas um interexistente. Mesmo na encarnação essa condição interexistencial se revela de maneira inegável. Os homens vivem no estado de vigília, no estado de hipnose, ou de sono. Além disso, possuem a mediunidade que a Parapsicologia denomina de funções psi, e através dessas funções ele se coloca num intermúndio, vivendo ao mesmo tempo em dois planos diferentes, mas conjugados. Veja-se este problema em O Ser e a Serenidade, edição “Nosso Lar”. (N. do T.)

(17) As aspirações humanas provêm dos desígnios de Deus referentes ao destino da humanidade. Todas as criaturas trazem no seu íntimo a intuição do sentido e da finalidade da sua existência. Foi isso que Descartes descobriu no famoso episódio do cogito, constatando que a ideia de Deus é inata no homem. Essa a razão de Kardec afirmar que as aspirações são a voz de Deus. (N. do T.)

Compartilhe