Falsos irmãos e amigos inábeis

Falsos irmãos e amigos inábeis – Revista Espírita, março de 1863

Passemos a um assunto ainda mais grave: os falsos irmãos. Os adversários do Espiritismo – alguns pelo menos, já que os pode haver de boa-fé – não são, como se sabe, tão escrupulosos quanto à escolha dos meios. Para eles toda luta é válida; e quando não podem tomar uma fortaleza de assalto, minam-na. Em falta de boas razões, que são armas leais, vemo-los todos os dias vomitar mentiras e calúnias sobre o Espiritismo.

A calúnia é odiosa, bem o sabem, e a mentira pode ser desmentida; assim, procuram fatos para justificar-se. Mas como encontrar fatos comprometedores entre pessoas sérias, senão os produzindo mesmo ou pelos filiados? Como vimos, o perigo não está no ataque aberto, nem nas perseguições, nem mesmo na calúnia. Está nas intrigas ocultas empregadas para desacreditar e arruinar o Espiritismo por si mesmo. Serão bem sucedidos? É o que vamos examinar agora.

Já chamamos a atenção para essa manobra no relatório de nossa viagem de 1862, porque, em nosso caminho, recebemos três beijos de Judas, com os quais não nos enganamos, embora não nos tivéssemos manifestado. Aliás, tínhamos sido prevenidos antes de nossa partida das armadilhas que nos seriam estendidas. Mas ficamos de olho, certo de que um dia seriam desmascarados, porque é tão difícil a um falso espírita, quanto a um Espírito mau, simular um Espírito superior. Nem um nem outro podem sustentar por muito tempo o seu papel.

De várias localidades nos indicam criaturas, homens e mulheres de antecedentes e ligações suspeitas, cujo aparente zelo pelo Espiritismo apenas inspira uma medíocre confiança e não nos surpreendemos de aí encontrar os três judas de que falamos: eles existem nas baixas e nas altas camadas.

Da parte deles é muitas vezes mais que zelo; é entusiasmo, uma admiração fanática. Em sua opinião, seu devotamento vai até o sacrifício de seus interesses e, apesar disto, não atraem simpatias: um fluido malsão parece envolvê-los e sua presença nas reuniões lança um manto de gelo.

O que caracteriza principalmente esses pretensos adeptos é a tendência a fazer o Espiritismo sair dos caminhos da prudência e da moderação por seu ardente desejo do triunfo da verdade; a estimular as publicações excêntricas; a extasiar-se de admiração ante as comunicações apócrifas mais ridículas, e que têm o cuidado de espalhar; a provocar nas reuniões assuntos comprometedores sobre política e religião, sempre pelo triunfo da verdade, que não pode ficar debaixo do alqueire; seus elogios aos homens e às coisas são bajulações de arrepiar: são os fanfarrões do Espiritismo. Outros são mais afetados e hipócritas; com olhar oblíquo e palavras melífluas sopram a discórdia enquanto pregam a união.

Suscitam com habilidade a discussão de questões irritantes ou ferinas, capazes de provocar dissidências. Excitam uma inveja de predominância entre os vários grupos e ficariam contentíssimos se os vissem a se apedrejarem e, em favor de algumas divergências de opinião sobre certas questões de forma ou de fundo, geralmente provocadas, erguem bandeira con-tra bandeira.

Tentareis trazer toda essa gente a ideias mais sãs? Seria trabalho perdido, e compreende-se por que: a razão e o lado sério da doutrina não lhes interessa; é o que mais os contraria; dizer-lhes que prejudicam a causa, que fornecem armas aos inimigos é lisonjeá-los; seu objetivo é desacreditá-la, tendo o ar de a defender. Instrumentos, não temem comprometer os outros, fazendo que sofram os rigores da lei, nem a si mesmos, pois sabem encontrar uma compensação.

Nem sempre seu papel é idêntico; varia conforme a posição social, as aptidões, a natureza de suas relações e o elemento que os faz agir, embora o fim seja sempre o mesmo. Nem todos empregam meios tão grosseiros, mas não menos pérfidos.

Lede certas publicações que se dizem simpáticas à ideia, mesmo as que apa-rentam defendê-la; examinai todos os pensamentos e vede se, às vezes, ao lado de uma aprovação posta à guisa de cobertura e de etiqueta, não descobris, como que lançado ao acaso, um pensamento insidioso, uma insinuação de duplo sentido, um fato relatado de modo ambíguo e que pode ser interpretado num sentido desfavorável. Entre estes, uns são menos velados e, sob o manto do Espiritismo, visam suscitar divisões entre os adeptos.

Letra E

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