(Revista Espírita, setembro de 1862).
Meus caros irmãos e amigos espíritas de Lyon.
Apresso-me em vos dizer o quanto sou sensível ao novo testemunho de simpatia que acabais de dar-me, com o amável e afetuoso convite para vos visitar ainda este ano. Aceito-o com prazer, porque, para mim, é sempre uma felicidade encontrar-me em vosso meio.
Meus amigos: grande é a minha alegria ao ver a família crescer a olhos vistos; é a mais eloqüente resposta aos tolos e ignóbeis ataques contra o Espiritismo. Parece que tal crescimento lhes aumenta o furor, porque hoje mesmo recebi uma carta de Lyon, anunciando a remessa de um jornal dessa cidade, La France littéraire, no qual a doutrina em geral, e minhas obras em particular, são ridicularizadas de maneira tão infamante que me perguntam se devem responder pela imprensa ou pelos tribunais. Digo que devem responder pelo desprezo. Se a doutrina não fizesse nenhum progresso, se minhas obras não tivessem vingado, ninguém se inquietaria e nada diriam. São os nossos sucessos que exasperam os inimigos. Deixemo-los, pois, dar livre expansão à sua raiva impotente, pois essa raiva mostra como sentem próxima a sua derrota; não são tão tolos a ponto de lutarem por um aborto. Quanto mais ignóbeis forem os seus ataques, menos estes devem ser temidos, porque são desprezados pelas pessoas honestas e provam que aqueles não têm boas razões a opor, uma vez que só sabem dizer injúrias.
Continuai, pois, meus amigos, a grande obra de regeneração, iniciada sob tão felizes auspícios, e em breve colhereis os frutos da vossa perseverança. Provai, sobretudo pela união e pela prática do bem, que o Espiritismo é a garantia da paz e da concórdia entre os homens, e fazei que, em se vos vendo, se possa dizer que seria desejável que todos fossem espíritas.
Sinto-me feliz, meus amigos, por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento, marchando de comum acordo para o nobre objetivo a que nos propomos. Sendo tal objetivo exatamente o mesmo para todos, não poderia haver divisões; uma mesma bandeira deve guiar-vos e nela está escrito: Fora da caridade não há salvação. Ficai certos de que em torno dela é que a Humanidade inteira sentirá necessidade de se congregar, quando se cansar das lutas engendradas pelo orgulho, pela inveja e pela cupidez. Esta máxima, verdadeira âncora de salvação, porque será o repouso depois da fadiga, o Espiritismo terá a glória de ser o primeiro a havê-la proclamado. Inscrevei-a em todos os locais de reunião e em vossas residências. Que, doravante, ela seja a palavra de união entre todos os homens sinceros, que querem o bem, sem segunda intenção pessoal. Mas fazei melhor ainda: gravai-a em vossos corações e, desde já, fruireis a calma e a serenidade que aí encontrarão as gerações futuras, quando ela for a base das relações sociais. Sois a vanguarda; deveis dar exemplo, a fim de encorajar os outros a vos seguirem.
Não vos esqueçais de que a tática de vossos inimigos encarnados e desencarnados é dividir-vos. Provai-lhes que perderão o tempo se tentarem suscitar entre os grupos sentimentos de inveja e rivalidade, que seriam uma apostasia da verdadeira doutrina espírita cristã.
As quinhentas assinaturas que subscrevem o convite que houvestes por bem me enviar representam um protesto contra essa tentativa, e ainda há várias outras que terei o prazer de aí ver. Aos meus olhos é mais que simples fórmula: é um compromisso para marcharmos nos caminhos que nos traçam os Espíritos bons. Conservá-las-ei preciosamente, porque um dia farão parte dos gloriosos arquivos do Espiritismo.
Ainda uma palavra, meus amigos. Indo ver-vos, uma coisa desejo: é que não haja banquete, e isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos são difíceis; importa, pois, não fazer despesas inúteis. O dinheiro que isto custaria será mais bem empregado em auxílio aos que, mais tarde, dele necessitarão. Eu vo-lo digo com toda sinceridade: o pensamento naquilo que fizerdes por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos e me tiraria todo o prazer da reunião. Não vou a Lyon para me exibir, nem para receber homenagens, mas para conversar convosco, consolar os aflitos, encorajar os fracos, ajudarvos com os meus conselhos naquilo que estiver em meu poder fazê-lo. E o que de mais agradável me podeis oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida. Crede que os termos tão afetuosos do vosso convite para mim valem mais que todos os banquetes do mundo, ainda que fossem oferecidos num palácio. O que me restaria de um banquete? Nada, ao passo que vosso convite fica como preciosa lembrança e um penhor de vossa afeição.
Até breve, meus amigos; se Deus quiser terei o prazer de vos apertar as mãos cordialmente.
-Allan Kardec.