24 de agosto de 2022: Aniversário de 17 anos do Projeto Conhecer, Sentir, Viver Kardec.
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Caráter filosófico da Sociedade Espírita de Paris
(Revista Espírita, julho de 1863)
Como resposta a certas calúnias que os adversários do Espiritismo gostam de despejar contra a Sociedade, julgamos dever publicar os pedidos de admissão formulados nas duas cartas seguintes, sobre as quais fazemos, na sequência, algumas observações.
Ao Sr. Presidente da Sociedade de Estudos Espíritas de Paris.
“Senhor,
“Ser-me-ia permitido aspirar a ser admitido como membro da ilustre Sociedade que presidis?
“Também tive a felicidade de conhecer o Espiritismo e de experimentar, em toda a sua plenitude, a sua benéfica influência. Há tempo eu era vítima de sofrimentos físicos, e consequentemente do sofrimento moral que naturalmente deles decorre quando o pensamento não vê como compensação senão a dúvida e a incerteza. O Livro dos Espíritos entrou em minha casa como o salvador cuja mão benfeitora nos tira do abismo, como o médico que cura instantaneamente.
“Li e compreendi, e logo o sofrimento moral deu lugar a uma imensa felicidade, ante a qual morreu o sofrimento físico, porque, desde então, não mais o vejo senão como efeito da vontade e da sabedoria divinas, que só nos envia males para nosso maior bem.
“Sob a influência dessa crença benéfica, meu estado físico já melhorou sensivelmente, e espero que Deus complete sua obra, porque se hoje desejo o restabelecimento da saúde, não é mais, como outrora, para gozar a vida, mas para consagrá-la unicamente ao bem, isto é, para empregá-la exclusivamente em marchar para o futuro, trabalhando com ardor e por todos os meios ao meu alcance, para o bem de meus semelhantes e, particularmente, dedicando-me à propagação da sublime doutrina que Deus, em sua bondade infinita, envia à pobre Humanidade para regenerá-la.
“Glória seja rendida a Deus pela divina luz que, em sua misericórdia, se dignou enviar às suas criaturas cegas! E graças vos sejam dadas, senhor, a quem ele escolheu para lhes trazer o facho sagrado!
“Senhor, se vos dignardes acolher o meu pedido, eu vos serei profundamente reconhecido por sua transmissão aos vossos honrados colegas. Não tenho a honra de ser vosso conhecido pessoalmente, pois meu estado de saúde sempre me impediu de vos visitar. Mas meu amigo Sr. Canu, vosso colega, poderá responder por mim.
“Recebei, senhor e caro mestre, o preito de meus respeitosos sentimentos e de meu sincero devotamento.”
HERMANN HOBACH
“Senhor e venerado mestre,
“Confiante em vossa benevolência, venho dirigir-vos um pedido que, se ouvido, encher-me-ia de alegria. Já tive a honra de vos escrever, há tempos, com o duplo objetivo de exprimir os sentimentos, por assim dizer novos, que a leitura séria do Livro dos Espíritos havia feito nascer em mim, e obedecer ao dever sagrado de agradecer ao homem venerado que estende a mão de amparo à coragem vacilante dos fracos deste mundo, em cujo número me achava até bem pouco tempo, pela ignorância destes princípios sublimes que enfim determinam ao homem uma tarefa a cumprir, de acordo com suas forças e com as suas faculdades.
“Destes a essa carta uma resposta cheia de amenidade, convidando-me a vir, como ouvinte, assistir às sessões gerais da Sociedade. Essas sessões e a leitura do Livro dos Médiuns me deram mais e mais força e coragem e me inspiraram o desejo de participar de uma sociedade fundada sobre os mesmos princípios que acabaram de afastar a perturbação, a dispersão, o caos, que presidiam a todas as minhas ações.
“Eu havia chegado a supor que a chave do enigma da existência devia ser muito insignificante, pois meu espírito ainda não me tinha feito compreender que fora do mundo material que me rodeava havia um mundo espiritual, a marchar lado a lado com o nosso para o melhoramento.
“Assim, senhor, me reafirmo feliz, se puder demonstrar perante o mundo inteiro dos incrédulos e dos cépticos, que a doutrina espírita fez em mim tão radical mudança na maneira de ser que certamente essa mudança poderia, sem exagero, ser qualificada de milagre, porque, abrindo-me os olhos para todo o bem que se pode fazer e não se faz, percebi, para começar, uma finalidade para a nossa vida atual, e depois, carregado de faltas de toda espécie, vi, enfim, que a Providência não nos havia deixado faltar trabalho, e que ao Espírito não bastava uma existência para se aperfeiçoar, trabalhando por dominar primeiro o corpo e em seguida dominar-se a si próprio.
“Se julgardes conveniente receber-me, senhor, posto ainda seja muito moço, como um dos membros da Sociedade Espírita, rogo-vos apresenteis meu pedido ao conselho e lhe afirmar a honra que me faria a Sociedade em receber-me em seu seio, o que por mim seria apreciado com o sentimento do mais completo reconhecimento. “Recebei, senhor, o preito de minha profunda veneração.”
PAUL ALBERT
Se tais cartas honram os seus autores, também honram a Sociedade à qual são dirigidas e que vê com felicidade os que pedem para nela entrar, animados por tais sentimentos. É uma prova de que compreendem o objetivo exclusivamente moral a que a Sociedade se propõe, pois não são movidos por uma vã curiosidade que, aliás, não entraria em nossos propósitos satisfazer.
A Sociedade só acolhe gente séria, e cartas como as que acima publicamos lhe indicam o verdadeiro caráter. É entre os adeptos dessa categoria que ela se sente feliz em recrutar, e é a melhor resposta que ela pode dar aos detratores do Espiritismo, que se esforçam em apresentá-la, bem como a suas irmãs dos departamentos e do estrangeiro que marcham sob a mesma bandeira, como focos perigosos para a razão e para a ordem pública, ou como uma vasta especulação. Deus quis que o mundo não tivesse outras fontes de perturbação.
Como temos dito, o Espiritismo moderno terá a sua história, que será a das fases que tiver percorrido, de suas lutas e de seus sucessos, de seus defensores, de seus mártires e de seus adversários, pois é preciso que a posteridade saiba de que armas se serviram para atacá-lo. É preciso, sobretudo, que ela conheça os homens de coração que se devotaram à sua causa com inteira abnegação, completo desinteresse material e moral, a fim de que ela lhes possa pagar um justo tributo de reconhecimento. Para nós é uma grande alegria quando podemos inscrever um novo nome, glorioso por sua modéstia, sua coragem e suas virtudes, nesses anais onde se confundem o príncipe e o artífice, o rico e o pobre, os homens de todos os países e de todas as religiões, porque para o bem só há uma casta, uma só seita, uma só nacionalidade e uma só bandeira: a da fraternidade universal.
A Sociedade Espírita de Paris, a primeira fundada e oficialmente reconhecida; a que, pode-se dizer, deu o impulso, e sob cuja égide se formaram tantas outras sociedades e grupos; que se tornou, pela força das coisas, e por mais restrito que seja o número de seus membros, o centro do Movimento Espírita, pois seus princípios são os da quase universalidade dos adeptos, esta Sociedade, dizíamos nós, terá também seus anais para a instrução daqueles aos quais preparamos o caminho, e para a confusão de seus caluniadores.
Não é somente ao longe que a calúnia atira o seu veneno, é às nossas portas mesmo. Há poucos dias alguém nos disse que há muito tempo tinha o maior desejo de assistir a algumas sessões da Sociedade, mas que tinha sido detido porque lhe haviam afirmado que se devia pagar dez francos. Sua surpresa foi grande, e podemos dizer, também sua alegria, quando lhe dissemos que tal boato era filho da malevolência; que desde que a Sociedade existe, jamais um ouvinte pagou um cêntimo; que não se lhe impõe qualquer obrigação pecuniária, sob qualquer forma e a qualquer título que seja, nem como assinatura da Revista Espírita, nem como compra de livros; que nenhum dos nossos médiuns é remunerado, pois todos, sem exceção, dão seu concurso por puro devotamento à causa; que os membros titulares e associados são os únicos a participar nas despesas materiais, mas que os membros correspondentes e honorários não suportam nenhum encargo, limitando-se a Sociedade a prover as despesas correntes, restritas quanto possível, e não capitalizando; que o Espiritismo é uma coisa puramente moral, que não pode, assim como as coisas santas, ser objeto de uma exploração que sempre repudiamos verbalmente e por escrito; que, assim, só uma insigne malevolência é capaz de emprestar semelhantes ideias à Sociedade.
Acrescentaremos que o autor dessa informação oficiosa disse haver pago os seus dez francos, o que prova que ele não era inocente na difusão desse boato. A Sociedade Espírita de Paris, por sua posição e pelo papel que desempenha, não deixará de ter, mais tarde, uma certa repercussão. É, pois, necessário aos nossos irmãos dos tempos porvindouros, que o seu objetivo e as suas tendências não sejam desnaturados por manobras malévolas, e para isto não bastam algumas refutações individuais, que só têm efeito no presente e se perdem na multidão. As retratações que se obtêm não passam de uma satisfação momentânea, cuja lembrança logo passará. É necessário um monumento especial, autêntico e durável, e esse monumento será feito em tempo hábil. Enquanto esperamos, deixemos os adversários se desacreditarem a si mesmos pela mentira. A posteridade os julgará.