Sistemas – O Livro dos Médiuns

36. Quando os estranhos fenômenos do Espiritismo começaram a se produzir, ou melhor, quando se renovaram nestes últimos tempos, suscitaram antes de mais nada a dúvida sobre a sua realidade e mais ainda sobre a sua causa. (1) Quando foram averiguados por testemunhos irrecusáveis e através de experiências que todos puderam fazer, aconteceu que cada qual os interpretou a seu modo, de acordo com suas idéias pessoais, suas crenças e seus preconceitos. Daí o aparecimento dos numerosos sistemas que uma observação mais atenta deveria reduzir ao seu justo valor.

Os adversários do Espiritismo logo viram, nessas divergências de opinião, um argumento contrário, dizendo que os próprios espíritas não concordavam entre si. Era uma razão bem precária, pois os primeiros passos de todas as ciências em desenvolvimento são necessariamente incertos, até que o tempo permita a reunião e coordenação dos fatos que possam fixar-lhes a orientação. À medida que os fatos se completam e são melhor observados, as idéias prematuras se desfazem e a unidade de opinião se estabelece, quando não sobre os detalhes, pelo menos sobre os pontos fundamentais. Foi o que aconteceu com o Espiritismo, que não podia escapar a essa lei comum, e que devia mesmo, por sua natureza, prestar-se ainda mais à diversidade de opiniões. Podemos dizer, aliás, que nesse sentido o seu avanço foi mais rápido que o de ciências mais antigas, como a Medicina, por exemplo, que ainda continua a dividir os maiores sábios.

37. Para seguir a ordem progressiva das idéias, de maneira metódica, convém colocar em primeiro lugar os chamados sistemas negativos dos adversários do Espiritismo. Refutamos essas objeções na introdução e na conclusão de O Livro dos Espíritos, bem como na pequena obra intitulada O Que é o Espiritismo. Seria inútil voltar ao assunto e nos limitaremos a lembrar, em duas palavras, os motivos em que eles se apoiam.

Os fenômenos espíritas são de duas espécies: os de efeitos físicos e os de efeitos inteligentes. Não admitindo a existência dos Espíritos, por não admitirem nada além da matéria, compreende-se que eles neguem os efeitos inteligentes. Quanto aos efeitos físicos, eles os comentam à sua maneira e seus argumentos podem ser resumidos nos quatro sistemas seguintes.

38. SISTEMA DO CHARLATANISMO: muitos dos antagonistas atribuem esses efeitos à esperteza, pela razão de alguns terem sido imitados. Essa suposição transformaria todos os espíritas em mistificados e todos os médiuns em mistificadores, sem consideração pela posição, ou caráter, o saber e a honorabilidade das pessoas. Se ela merecesse resposta, diríamos que alguns fenômenos da Física são também imitados pelos prestidigitadores, o que nada prova contra a verdadeira ciência. Há pessoas, aliás, cujo caráter afasta toda suspeita de fraude, e seria preciso não se ter educação nem urbanidade para atrever-se a dizer-lhes que são cúmplices de charlatanice. Num salão bastante respeitável, um senhor que se dizia muito educado permitiu-se fazer uma observação dessa e a dona da casa lhe disse: “Senhor, desde que não está satisfeito, o dinheiro lhe será devolvido na porta”, e com um gesto lhe indicou o melhor que tinha a fazer.

Devemos concluir disso que nunca houve abusos? Seria necessário admitir que os homens são perfeitos. Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais santas. Por que não se abusaria do Espiritismo? Mas o mau emprego que se pode fazer de uma coisa não deve levar-nos a prejulgá-la. Podemos considerar a boa fé dos outros pelos motivos de suas ações. Onde não há especulação não há razão para o charlatanismo.

39. SISTEMA DA LOUCURA: alguns, por condescendência, querem afastar a suspeita de fraude e pretendem que os que não enganam são enganados por si mesmos, o que equivale a chamá-los de imbecis. Quando os incrédulos são menos maneirosos, dizem simplesmente que se trata de loucura, atribuindo-se sem cerimônias o privilégio do bom senso. É esse o grande argumento dos que não têm melhores razões a apresentar. Aliás, essa forma de crítica se tornou ridícula pela própria leviandade e não merece que se perca tempo em refutá-la. Por sinal que os espíritas pouco se importam com ela. Seguem corajosamente o seu caminho, consolando-se ao pensar que têm por companheiros de infortúnio muita gente de mérito incontestável. É necessário convir, com efeito, que essa loucura, se se trata de loucura, revela uma estranha característica: a de atingir de preferência a classe mais esclarecida, na qual o Espiritismo conta até o momento com a maioria absoluta de adeptos. Se nesse número se encontram alguns excêntricos, eles não depõem mais contra a Doutrina do que os fanáticos contra a Religião; do que os melomaníacos contra a Música; ou do que os maníacos calculadores contra a Matemática. Todas as idéias têm os seus fanáticos e seria necessário ser-se muito obtuso para confundir o exagero de uma ideia com a própria ideia. Para mais amplas explicações a respeito, enviamos o leitor à nossa brochura: O Que é o Espiritismo ou a O Livro dos Espíritos, parágrafo XV da Introdução.

40. SISTEMA DA ALUCINAÇÁO: outra opinião, menos ofensiva porque tem um leve disfarce científico, consiste em atribuir os fenômenos a uma ilusão dos sentidos. Assim, o observador seria de muito boa fé, mas creria ver o que não vê. Quando vê uma mesa levantar-se e permanecer no ar sem qualquer apoio, a mesa nem se moveu. Ele a vê no espaço por uma ilusão ou por um efeito de refração, como o que nos faz ver um astro ou um objeto na água, deslocado de sua verdadeira posição. A rigor, isso seria possível, mas os que testemunharam esse fenômeno constataram a suspensão passando por baixo da mesa, que seria difícil se ela não houvesse sido elevada. Além disso, ela é elevada tantas vezes que acaba por quebrar-se ao cair. Seria isso também uma ilusão de ótica?

Uma causa fisiológica bem conhecida pode fazer, sem dúvida, que se veja rodar uma coisa que nem se mexeu, ou que nos sintamos rodar quando estamos imóveis. Mas quando várias pessoas que estão ao redor de uma mesa são arrastadas por um movimento tão rápido que é difícil segui-la, e algumas são até mesmo derrubadas, teriam acaso sofrido vertigens, como o ébrio que vê a casa passar-lhe pela frente? (2)

41. SISTEMA DO MÚSCULO ESTALANTE: se assim fosse no que toca à visão, não seria diferente para o ouvido. Mas quando os golpes são ouvidos por toda uma assembléia, não se pode razoavelmente atribuí-los à ilusão. Afastamos, bem entendido, qualquer ideia de fraude, considerando uma observação atenta em que se tenha constatado que não havia nenhuma causa fortuita ou material.

É verdade que um sábio médico deu ao caso uma explicação decisiva, segundo pensava: “A causa, disse ele, está nas contrações voluntárias ou involuntárias do tendão muscular do pequeno perônio”. (3) E entra nas mais completas minúcias anatômicas para demonstrar o mecanismo dessa produção de estalos, que pode imitar o tambor e mesmo executar árias ritmadas. Chega assim à conclusão de que os que ouvem os golpes numa mesa são vítimas de uma mistificação ou de uma ilusão. O fato nada apresenta de novo. Infelizmente para o autor dessa pretensa descoberta, sua teoria não pode explicar todos os casos. Digamos primeiramente que os dotados da estranha faculdade de fazer estalar à vontade o músculo do pequeno perônio, ou outro qualquer, e tocar árias musicais por esse meio, são criaturas excepcionais, enquanto a de fazer estalar as mesas é muito comum, e os que a possuem só muito raramente podem possuir aquela. Em segundo lugar, o sábio doutor esqueceu-se de explicar como podem esses estalos musculares de uma pessoa imóvel e distanciada da mesa produzir nesta vibrações sensíveis ao tato; como esses estalos podem repercutir, à vontade dos assistentes, em lugares diversos da mesa, em outros móveis, nas paredes, no forro, etc., e como, enfim, a ação desse músculo pode estender-se a uma mesa que não se toca e fazê-la mover-se sozinha. Esta explicação, aliás, se realmente explicasse alguma coisa, só poderia infirmar o fenômeno dos golpes, não podendo referir-se aos demais modos de comunicação. Concluímos, pois, que o seu autor julgou sem ter visto, ou sem ter visto tudo de maneira suficiente. É sempre lamentável que os homens de ciência se apressem a dar, sobre o que não conhecem, explicações que os fatos podem desmentir. O seu próprio saber deveria torná-los tanto mais ponderados em seus julgamentos, quanto mais esse saber lhes amplia os limites do desconhecido.

42. SISTEMA DAS CAUSAS FÍSICAS: saímos aqui dos sistemas de negação absoluta. Averiguada a realidade dos fenômenos, o primeiro pensamento que naturalmente ocorreu ao espírito dos que o viram foi o de atribuir os movimentos ao magnetismo, à eletricidade ou à ação de um fluido qualquer, em uma palavra, a uma causa exclusivamente física, material. Essa opinião nada tinha de irracional e prevaleceria se o fenômeno se limitasse aos efeitos puramente mecânicos. Uma circunstância parecia mesmo corroborá-la: era, em alguns casos, o aumento da potência na razão do número de pessoas presentes, pois cada uma delas podia ser considerada como elemento de uma pilha elétrica humana. O que caracteriza uma teoria verdadeira, já o dissemos, é a possibilidade de explicar todos os fatos. Se um único fato a contraditar, é porque ela é falsa, incompleta ou demasiado arbitrária. Foi o que não tardou a acontecer no caso. Os movimentos e os golpes revelaram inteligência, pois obedeciam a uma vontade e respondiam ao pensamento. Deviam, pois, ter uma causa inteligente. E desde que o efeito cessava de ser apenas físico, a causa, por isso mesmo, devia ser outra. Assim o sistema de ação exclusiva de um agente material foi abandonado e só se renova entre os que julgam a priori, sem nada terem visto. O ponto capital, portanto, é a constatação da ação inteligente, e é por ele que se pode convencer quem quiser se dar ao trabalho da observação.

43. SISTEMA DO REFLEXO: reconhecida a ação inteligente, restava saber qual seria a fonte dessa inteligência. Pensou-se que poderia ser a do médium ou dos assistentes, que se refletiria como a luz ou as ondas sonoras. Isso era possível e somente a experiência poderia dar a última palavra a respeito. Mas notemos, desde logo, que esse sistema se afasta completamente das idéias puramente materialistas: para a inteligência dos assistentes poder reproduzir-se de maneira indireta, seria necessário admitir a existência no homem de um princípio independente do organismo. (4)

Se o pensamento manifestado fosse sempre o dos assistentes, a teoria da reflexão estaria confirmada. Mas o fenômeno, mesmo assim reduzido, não seria do mais alto interesse? O pensamento a repercutir num corpo inerte e a se traduzir por movimento e ruído não seria admirável? Não haveria nisso o que excitar a curiosidade dos sábios? Porque, pois, eles desprezaram esse fato, eles que se esgotam na procura de uma fibra nervosa?

Somente a experiência, dissemos, poderia dar a última palavra sobre essa teoria, e a experiência a deu condenando-a, porque ela demonstra a cada instante, e pelos fatos mais positivos, que o pensamento manifestado pode ser, não só estranho aos assistentes, mas quase sempre inteiramente contrário ao deles; que contradiz todas as idéias preconcebidas e desfaz todas as previsões. De fato, quando eu penso branco e me respondem preto, não posso acreditar que a resposta seja minha. Alguns se apoiam em casos de identidade entre o pensamento manifestado e o dos assistentes, mas que é que isso prova, senão que os assistentes podem pensar como a inteligência comunicante? Não se pode exigir que estejam sempre em oposição. Quando, numa conversação, o interlocutor emite um pensamento semelhante ao vosso, direis por isso que ele o tirou de vós? Bastam alguns exemplos contrários e bem constatados para provar que essa teoria não pode ser decisiva.

Como, aliás, explicar pelo reflexo do pensamento a escrita feita por pessoas que não sabem escrever? As respostas do mais elevado alcance filosófico obtidas através de pessoas iletradas. E aquelas dadas a perguntas mentais ou formuladas numa língua desconhecida do médium? E mil outros fatos que não podem deixar dúvida quanto à independência da inteligência manifestante? A opinião contrária só pode resultar de uma deficiência de observação. Se a presença de uma inteligência estranha é moralmente provada pela natureza das respostas, materialmente o é pelo fenômeno da escrita direta, ou seja, da escrita feita espontaneamente, sem caneta nem lápis, sem contato e apesar de todas as precauções tomadas para evitar qualquer ardil. O caráter inteligente do fenômeno não poderia ser posto em dúvida; logo, há mais do que uma simples ação fluídica. Além disso, a espontaneidade do pensamento manifestado independente de toda expectativa e de qualquer questão formulada, não permite que se possa torná-lo como um reflexo do que pensam os assistentes.

O sistema do reflexo é muito desagradável em certos casos. Quando, por exemplo, numa reunião de pessoas sérias ocorre uma comunicação de revoltante grosseria, atribuí-la a um dos assistentes seria cometer uma grave indelicadeza, e é provável que todos se apressassem em repudiá-la. (Ver O Livro dos Espíritos, parágrafo XVI da Introdução.)

44. SISTEMA DA ALMA COLETIVA: é uma variante do precedente. Segundo este sistema, somente a alma do médium se manifesta, mas identificando-se com a de muitas outras pessoas presentes ou ausentes, para formar um todo coletivo que reuniria as aptidões, a inteligência e os conhecimentos de cada uma delas. Embora a brochura que expõe essa teoria se intitule A Luz (5) pareceu-nos de um estilo bastante obscuro. Confessamos haver compreendido pouco do que vimos e só a citamos para registrá-la. Trata-se, aliás, de uma opinião individual como tantas outras e que fez poucos adeptos. Émah Tirpsé é o nome usado pelo autor para designar o ser coletivo que representa. Ele toma por epígrafe: Não há nada oculto que não venha a ser revelado. Essa proposição é evidentemente falsa, pois há uma infinidade de coisas que o homem não pode e não deve saber. Bem presunçoso seria o que pretendesse penetrar todos os segredos de Deus.

45. SISTEMA SONAMBÚLICO: este sistema teve mais partidários, mas ainda agora conta com alguns. Como precedente, admite que todas as comunicações inteligentes procedem da alma ou Espírito do médium. Mas, para explicar como o médium pode tratar de assuntos que estão fora do seu conhecimento, em vez de considerá-lo dotado de uma alma coletiva, atribui essa aptidão a uma super-excitação momentânea de suas faculdades mentais, a uma espécie de estado sonambúlico ou extático, que exalta e desenvolve a sua inteligência. Não se pode negar, em certos casos, a influência dessa causa, mas é suficiente haver presenciado como opera a maioria dos médiuns para compreender que ela não pode resolver todos os casos, constituindo pois a exceção e não a regra. Poderia ser assim, se o médium tivesse sempre o ar de inspirado ou extático, aparência que ele poderia, aliás, simular perfeitamente, se quisesse representar uma comédia. Mas como crer na inspiração, quando o médium escreve como uma máquina, sem a menor consciência do que obtém, sem a menor emoção, sem se preocupar com o que faz, inteiramente distraído, rindo e tratando de assuntos diversos?

Concebe-se a excitação das idéias, mas não se compreende que ela faça escrever aquele que não sabe escrever, e ainda menos quando as comunicações são transmitidas por pancadas ou com a ajuda de uma prancheta ou de uma cesta. Veremos, no curso desta obra, o que se deve atribuir à influência das idéias do médium. Mas os casos em que a inteligência estranha se revela por sinais incontestáveis são tão numerosos e evidentes, que não podem deixar dúvidas a respeito. O erro da maior parte dos sistemas surgidos na origem do Espiritismo é tirar conclusões gerais de alguns fatos isolados. (6)

46. SISTEMA PESSIMISTA, DIABÓLICO OU DEMONÍACO: entramos aqui em outra ordem de idéias. Constatada a intervenção de uma inteligência estranha, tratava-se de saber de que natureza era essa inteligência. O meio mais fácil era sem dúvida lhe perguntar, mas algumas pessoas não viam nisso uma garantia suficiente e só quiseram ver em todas as manifestações uma obra diabólica. Segundo elas, somente o Diabo ou os Demônios podem comunicar-se. Embora esse sistema tenha hoje pouca aceitação, gozou por certo tempo de algum crédito, em virtude da condição especial daqueles que procuravam fazê-lo prevalecer. Assinalaremos, porém, que os partidários do sistema demoníaco não devem ser considerados entre os adversários do Espiritismo, antes pelo contrário. Os seres que se comunicam, quer sejam demônios ou anjos, são sempre seres incorpóreos. Ora, admitir a manifestação dos demônios é sempre admitir a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, ou pelo menos com uma parte desse mundo.

A crença na comunicação exclusiva dos demônios, por mais irracional que seja, não pareceria impossível quando se consideravam os Espíritos como seres criados fora da Humanidade. Mas desde que sabemos que os Espíritos são apenas as almas dos que já viveram, ela perdeu todo o seu prestígio, e podemos dizer toda a verossimilhança. Porque a conseqüência seria que todas essas almas eram demônios, fossem elas de um pai, de um filho ou de um amigo, e que nós mesmos, ao morrer, nos tornaríamos demônios, doutrina pouco lisonjeira e pouco consoladora para muita gente. Será muito difícil convencer uma mãe de que uma criança querida que ela perdeu, e que após a morte lhe vem dar provas de sua afeição e de sua identidade, seja um suposto satanás. É verdade que entre os Espíritos existem os que são muito maus e não valem mais do que os chamados demônios, e isso por uma razão em simples: é que existem homens muito maus e que a morte não os melhora imediatamente. A questão é saber se só eles podem comunicar-se. Aos que pensam assim, propomos as seguintes questões:

1°.) Há Espíritos bons e maus?

2°.) Deus é mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do que os demônios, se quiserdes?

3°.) Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não podem fazê-lo. Se assim é, de duas uma: isso acontece pela vontade ou contra a vontade de Deus. Se é contra a sua vontade, os maus Espíritos são mais poderosos que Ele. Se é pela sua vontade, por que razão, na sua bondade, não permitiria a comunicação dos bons, para contrabalançar a influência dos outros?

4°.) Que provas podeis dar da impossibilidade de se comunicarem os bons Espíritos?

5°.) Quando vos opomos a sabedoria de certas comunicações, respondeis que o Demônio usa todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, realmente, que há Espíritos hipócritas que dão à sua linguagem um verniz de sabedoria. Mas admitis que a ignorância possa representar o verdadeiro saber e uma natureza má substituir a virtude, sem deixar transparecer a fraude?

6°.) Se é só o Demônio que se comunica, e sendo ele o inimigo de Deus e dos Homens, por que recomenda orar a Deus, submissão à sua vontade, sofrer sem queixas as atribulações da vida, não ambicionar honras nem riquezas, praticar a caridade e todas as máximas do Cristo; em uma palavra, fazer tudo o que é necessário para destruir o seu império? Se é o Demônio quem dá esses conselhos, temos de convir que, por mais ardiloso seja, se mostra bastante inábil ao fornecer armas contra ele mesmo. (7)

7°.) Desde que os Espíritos se comunicam, é que Deus o permite. Vendo as boas e as más comunicações, não é mais lógico pensar que Deus permite umas para nos provar e outras para nos aconselhar o bem?

8°.) Que pensaríeis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos e dos conselhos perniciosos, e que afastasse dele, proibindo-o de vê-las, as pessoas que pudessem desviá-lo do mal? O que um bom pai não faria, devemos pensar que Deus, a bondade por excelência, estaria fazendo, menos compreensivo que um homem?

9°.) A Igreja reconhece como autênticas algumas manifestações da Virgem e de outros santos, nas aparições, visões, comunicações orais etc.; essa crença não está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dos Demônios?

Acreditamos que algumas pessoas aceitaram de boa fé essa teoria. Mas acreditamos também que muitas o fizeram apenas para evitar a preocupação com essas coisas, por causa das más comunicações que todos estão sujeitos a receber. Dizendo que somente o Diabo se manifesta, quiseram assustar, assim como se faz a uma criança: “Não pegue nisso, que queima!” A intenção pode ser louvável, mas não atingiu o objetivo, porque a proibição só serve para excitar a curiosidade e o temor do Diabo abrange poucas pessoas. Em geral querem vê-lo, nem que seja apenas para saber como ele é, e acabam se admirando de não encontrá-lo tão feio como pensavam.

Não se poderia ainda encontrar outro motivo para esta teoria das comunicações exclusivas decorrentes do Diabo? Há pessoas que consideram errados todos os que não pensam como elas. Ora, as que pretendem que as comunicações são do Demônio não estariam com medo de encontrar Espíritos que as contrariem, muito mais no tocante aos interesses deste mundo que aos do outro? Não podendo negar o fato, quiseram apresentá-lo de maneira assustadora. Mas esse meio não deu mais resultados que os outros, e onde o medo do ridículo é importante, o melhor é deixar as coisas correrem.

O muçulmano que ouvisse um espírito falar contra algumas leis do Alcorão, pensaria seguramente que era um mau Espírito. O mesmo aconteceria com um judeu, no tocante a algumas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos, ouvimos um deles afirmar que o Espírito comunicante era o Diabo, porque se atrevia a pensar diferente dele sobre o poder temporal, embora só pregasse a caridade, a tolerância, o amor ao próximo, o desinteresse pelas coisas mundanas, de acordo com as máximas pregadas por Cristo.

Os Espíritos são as almas dos homens, e como os homens não são perfeitos, há também Espíritos imperfeitos, cujo caráter se reflete nas comunicações. É incontestável que há Espíritos maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais devemos nos prevenir. Mas por encontrar os perversos entre os homens devemos fugir da vida social? Deus nos deu a razão e o discernimento para apreciarmos os Espíritos e os Homens. A melhor maneira de evitar os possíveis inconvenientes da prática espírita não é impedi-la, mas esclarecê-la. Um temor imaginário pode impressionar por um instante e não atinge a todos, enquanto a realidade claramente demonstrada é compreensível para todos.

47. SISTEMA OTIMISTA: ao lado dos sistemas que só vêem nos fenômenos a ação dos Demônios, há outros que só vêem a dos Espíritos bons. Partem do princípio de que, liberta da matéria, a alma está livre de qualquer véu e deve possuir a soberana ciência e a soberana sabedoria. Essa confiança cega na superioridade absoluta dos seres do mundo invisível tem sido, para muitas pessoas, a fonte de numerosas decepções. Elas tiveram de aprender à própria custa a desconfiar de alguns Espíritos, tanto como desconfiavam de alguns homens.

48. SISTEMA UNIESPÍRITO OU MONOESPÍRITO: uma variedade do sistema otimista é a crença de que um único Espírito se comunica com os homens e que esse Espírito é o Cristo, protetor da Terra. Quando as comunicações são da mais baixa trivialidade, de uma grosseria revoltante, cheias de malevolência e de maldade, seria impiedade e profanação supor que pudessem provir do espírito do bem por excelência. Ainda se poderia admitir a ilusão, se os que assim crêem só tivessem obtido comunicações excelentes. Mas a maioria deles declara ter recebido comunicações muito más, explicando tratar-se de uma prova a que o Espírito bom os submete ao ditar-lhes coisas absurdas. Assim, enquanto uns atribuem todas as comunicações ao Diabo, que pode fazer bons ditados para tentá-los, outros pensam que Jesus é o único a se manifestar e que pode fazer maus ditados para experimentá-los. Entre essas duas opiniões tão diversas, quem decidirá? O bom senso e a experiência. E citamos a experiência, porque é impossível que os que adotam essas idéias tenham verificado tudo suficientemente.

Quando lhes advertimos com os casos de identificação, que atestam a presença de parentes, amigos ou conhecidos pelas comunicações escritas, visuais e outras, respondem que é sempre o mesmo Espírito: o Diabo, segundo uns, o Cristo, segundo outros, que tomam aquelas formas. Mas não dizem por que razão os outros Espíritos não podem comunicar-se, com que fim o Espírito da Verdade viria nos enganar sob falsas aparências, abusar de uma pobre mãe ao fingir-se o filho por ela chorado. A razão se recusa a admitir que o Espírito mais santo de todos venha a representar semelhante comédia. Além disso, negar a possibilidade de qualquer outra comunicação não é tirar do Espiritismo o que ele tem de mais agradável: a consolação dos aflitos? Declaramos simplesmente que semelhante sistema é irracional e não pode resistir a um exame sério.

49. SISTEMA MULTIESPÍRITA OU POLIESPÍRITA: todos os sistemas que examinamos, sem excetuar os negativos, fundamentam-se em algumas observações, mas incompletas ou mal interpretadas. Se uma casa é vermelha de um lado e branca do outro, quem a vir só de um lado afirmará que é apenas vermelha ou branca e estará ao mesmo tempo errado e certo; mas quem a vir de todos os lados dirá que tem as duas cores e só ele estará realmente com a verdade. Acontece o mesmo com as opiniões sobre o Espiritismo: pode ser verdadeira sobre certos aspectos e falsa se a generalizarem, tomando como regra o que é apenas exceção, interpretando como tal o que é somente uma parte. Por isso dizemos que quem desejar estudar seriamente esta ciência deve aprofundar-se bastante e durante longo tempo, pois só o tempo lhe permitirá perceber os detalhes, notar as nuanças delicadas, observar uma infinidade de fatos característicos que serão como raios luminosos. Mas se permanecer na superfície expõe-se a julgar prematuramente e portanto de maneira errônea.

Vejamos os resultados gerais a que chegamos através de uma observação completa, e que hoje formam a crença, podemos dizer, da universalidade dos Espíritos, porque os sistemas restritivos não passam de opiniões isoladas:

1°. – Os fenômenos espíritas são produzidos por inteligências extra-corpóreas, ou seja, pelos Espíritos.

2°. – Os Espíritos constituem o mundo invisível e estão por toda parte; povoam os espaços até o infinito; há Espíritos incessantemente ao nosso redor e com eles estamos em contato.

3°. – Os Espíritos agem constantemente sobre o mundo físico e sobre o mundo moral, sendo uma das potências da Natureza.

4°. – Os Espíritos não são entidades à parte na Criação: são as almas dos que viveram na Terra ou em outros Mundos, desprovidas do seu envoltório corporal; do que se segue que as almas dos homens são Espíritos encarnados e que ao morrer nos tornamos Espíritos.

5°. – Há Espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância.

6°. – Estão submetidos à lei do progresso e todos podem chegar à perfeição, mas como dispõem do livre-arbítrio alcançam-na dentro de um tempo mais ou menos longo, segundo os seus esforços e a sua vontade.

7°. – São felizes ou infelizes, conforme o bem ou mal que fizeram durante a vida e o grau de desenvolvimento a que chegaram; a felicidade perfeita e sem nuvens só é alcançada pelos que chegaram ao supremo grau de perfeição.

8°. – Todos os Espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar se aos homens, e o número dos que podem comunicar-se é indefinido.

9°. – Os Espíritos se comunicam por meio dos médiuns, que lhes servem de instrumento e de intérpretes.

10°. – Reconhecem-se a superioridade e inferioridade dos Espíritos pela linguagem: os bons só aconselham o bem e só dizem coisas boas; os maus enganam e todas as suas palavras trazem o cunho da imperfeição e da ignorância.

Os diversos graus porque passam os Espíritos constam da Escala Espírita (O Livro dos Espíritos, II parte, cap. VI, n°. 100). O estudo dessa classificação é indispensável para se avaliar a natureza dos Espíritos que se manifestam e suas boas e más qualidades.

50. SISTEMA DA ALMA MATERIAL: consiste apenas numa opinião particular sobre a natureza íntima da alma, segundo a qual a alma e o perispírito não seriam distintos, ou melhor, o perispírito seria a própria alma em depuração gradual por meio das transmigrações, como o álcool se depura nas destilações. Na Doutrina Espírita, entretanto o perispírito é considerado como simples envoltório fluídico da alma ou Espírito. Constituindo-se o perispírito de uma forma de matéria, embora muito eterizada, para o sistema em causa a alma seria também de natureza material, mais ou menos essencial, segundo o grau de sua depuração.

Este princípio não invalida nenhum dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita, pois nada modifica em relação ao destino da alma. As condições de sua felicidade futura são as mesmas, a alma e o perispírito formando um todo sob denominação de Espírito, como o germe e o perisperma formam uma unidade sob o nome de fruto. Toda a questão se reduz em considerar o todo como homogêneo em vez de formado por duas partes distintas.

Como se vê, isto não leva a nenhuma conseqüência e não falaríamos a respeito se não houvéssemos encontrado pessoas inclinadas a ver uma escola nova no que não é, de fato, mais que uma simples questão de palavras. Esta opinião, aliás muito restrita, mesmo que fosse mais generalizada não representaria uma cisão entre os espíritas, da mesma maneira que as teorias da emissão ou das ondulações da luz não dividem os físicos. Os que desejassem separar-se por uma questão assim pueril, provariam dar mais importância ao acessório do que ao principal e estar impulsionados por Espíritos que não podem ser bons, porque os bons Espíritos não semeiam jamais o azedume e a cizânia. Eis porque concitamos todos os verdadeiros espíritas a se manterem em guarda contra semelhantes sugestões e não ligarem a alguns detalhes maior importância do que merecem, pois o fundo é que é o essencial.

Cremos, não obstante, dever dizer em algumas palavras no que se funda a opinião dos que consideram a alma e o perispírito como distintos. Ela se apóia no ensino dos Espíritos, que jamais variaram a esse respeito. Aludimos aos Espíritos esclarecidos, pois entre os Espíritos em geral há muitos que não sabem mais e até mesmo conhecem menos do que os homens. Aliás, essa teoria contrária é uma concepção humana. Não fomos nós que inventamos nem que supusemos a existência do perispírito para explicar os fenômenos. Sua existência nos foi revelada pelos Espíritos e a observação no-la confirmou (O Livro dos Espíritos, n°. 93). Ela se apóia ainda no estudo das sensações dos Espíritos (O Livro dos Espíritos, n°. 257). E sobretudo no fenômeno das aparições tangíveis que para outros implicariam a solidificação e a desagregação dos elementos constitutivos da alma, e conseqüentemente a sua desorganização.

Além disso, seria necessário admitir que essa matéria, que pode tornar-se perceptível aos nossos sentidos, fosse o próprio princípio inteligente, que não é mais racional do que confundir o corpo com a alma ou a roupa com o corpo. Quanto à natureza íntima da alma, nada sabemos. Quando se diz que ela é imaterial, devemos entendê-lo em sentido relativo e não absoluto, porque a imaterialidade absoluta seria o nada. Ora, a alma ou Espírito é alguma coisa. O que se quer dizer, portanto, é que a sua essência é de tal maneira superior que não apresenta nenhuma analogia com o que chamamos matéria, e que por isso ela é, para nós, imaterial (O Livro dos Espíritos, n°. 23 e 82) (8)

51. Eis a resposta de um Espírito a respeito do assunto:

— “O que uns chamam perispírito é o mesmo que outros chamam de envoltório fluídico. Eu diria, para me fazer compreender de maneira mais lógica, que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos, a extensão da vista e do pensamento. Mas me refiro aos Espíritos elevados.

Quanto aos Espíritos inferiores, estão ainda completamente impregnados de fluidos terrenos; portanto, são materiais, como podeis compreender. Por isso sofrem fome, frio, etc., sofrimentos que não podem atingir os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos já foram depurados no seu pensamento, quer dizer, na sua alma. Para progredir, a alma necessita sempre de um instrumento, sem o qual ela não seria nada para vós, ou melhor, não o poderíeis conceber. O perispírito, para nós, Espíritos errantes, é o instrumento pelo qual nos comunicamos convosco, seja indiretamente, por meio do vosso corpo ou do vosso perispírito, seja diretamente com a vossa alma. Vem daí a infinita variedade de médiuns e de comunicações.

Resta agora o problema científico, referente à própria essência do perispírito, que é outro assunto. Compreendei primeiro a sua possibilidade lógica (9). Resta, a seguir, a discussão da natureza dos fluidos, que é por enquanto inexplicável, pois a Ciência não conhece o suficiente a respeito, mas chegará a conhecê-lo se quiser avançar com o Espiritismo. O perispírito pode variar de aparência, modificar-se ao infinito; a alma é a inteligência, não muda sua natureza (10). Neste assunto não podeis avançar, pois é uma questão que não pode ser explicada. Julgais que também não investigo, como vós? Vós pesquisais o perispírito, e nós atualmente pesquisamos a alma. Esperai, pois”. – LAMENNAIS.

Assim, os Espíritos que podemos considerar adiantados ainda não puderam sondar a natureza da alma. Como poderíamos fazê-lo? É, pois uma perda de tempo perscrutar o princípio das coisas que, como ensina O Livro dos Espíritos (n°. 17 e 49), pertence aos segredos de Deus. Pretender descobrir, por meio do Espiritismo, o que ainda não é do alcance da Humanidade, seria desviá-lo do seu verdadeiro objetivo, fazer como a criança que quisesse saber tanto quanto o velho. O essencial é que o homem aplique o Espiritismo no seu aperfeiçoamento moral. O mais é apenas curiosidade estéril e quase sempre orgulhosa, cuja satisfação não o faria avançar sequer um passo. O único meio de avançar é tornar-se melhor.

Os Espíritos que ditaram o livro que traz o seu nome prosavam a própria sabedoria ao respeitarem, no tocante ao princípio das coisas, os limites que Deus não nos permite passar, deixando aos Espíritos sistemáticos e presunçosos a responsabilidade das teorias prematuras e errôneas, mais fascinantes do que sérias, e que um dia cairão ao embate da razão, como tantas outras oriundas do cérebro humano. Só disseram o justamente necessário para que o homem compreenda o seu futuro e assim encorajá-lo na prática do bem. (Ver a seguir na Segunda Parte, cap. l: Ação dos Espíritos sobre a matéria).

NOTAS:

(1) As mesmas dúvidas suscitadas pelo Espiritismo repetiram-se, um século após o seu advento, e portanto em nosso tempo, com o reinicio das pesquisas científicas dos fenômenos para-normais (na verdade fenômenos espíritas) pela Parapsicologia. E o desenvolvimento desta nova ciência renova aos nossos olhos as mesmas disparidades de opinião que caracterizaram o aparecimento do Espiritismo. (Nota do Tradutor)

(2) Conta Simone de Beauvoir, em “A Força da Idade”, uma experiência de tiptologia com Jean Paul Sartre, em que ela fez a mesa bater à vontade, iludindo a todos, inclusive o próprio filósofo. Como se vê por essa brincadeira entre filósofos ateus e céticos, a posição da inteligência francesa ainda não mudou a respeito do assunto. E pena que em vez de brincar não tenham feito uma experiência séria. (N. do T.)

(3) Médico Jobert, de Lamballe. Para sermos justos devemos dizer que essa descoberta se deve ao sr. Schiff. O sr. Jobert apenas desenvolveu as suas conseqüências perante a Academia de Medicina para dar o golpe decisivo nos Espíritos batedores. Todos os detalhes podem ser encontrados na Revista Espírita de junho de 1859. (Nota de Kardec).

(4) Ernesto Bozzano defenderia mais tarde esta tese em “Animismo e Espiritismo”, num sentido mais amplo. Ver esse livro. (N. do T.)

(5) “Comunhão. A luz do fenômeno do Espírito. Mesas falantes, sonâmbulos, médiuns, milagres. Magnetismo espiritual: poder da prática na fé. Por Ema Tirpse, uma alma coletiva escrevendo por intermédio de uma prancheta.” Bruxelas, 1858, edição Devroye.

(6) O sistema da excitação das idéias é hoje renovado pela hipótese igualmente falsa do “inconsciente excitado”, que pseudo parapsicólogos procuram difundir contra as manifestações espíritas. Como se vê, os meios e as armas de combate ao Espiritismo continuam os mesmos, apenas com algumas adaptações às novas condições culturais. Mas, em compensação, as respostas já estão praticamente dadas nas obras de Kardec. O espírita que as estuda com atenção refutará facilmente essas repetições de velhos sistemas superados. (N. do T.)

(7) Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes), mas recomendamos a respeito, como para tudo que se refere à parte religiosa, a brochura intitulada: Carta de um católico sobre o Espiritismo, do Dr.Grand, antigo cônsul da França (edição Ledoyen) e a que publicamos com o título de Os Contraditores do Espiritismo do ponto de vista da Religião, da Ciência e do Materialismo. (N. de Kardec).

(8) O Espírito é definido no nº. 23 de O Livro dos Espíritos como principio inteligente, em comparação com princípio material. O nº. 27 explica que esses dois princípios, tendo Deus como a sua fonte, forma a trindade universal, princípio de todas coisas. Isto nos mostra que a concepção espírita do Universo é monista, num sentido espiritual. As ciências atuais estão chegando a essa concepção, como vemos pelo conceito moderno de matéria como concentração de energia. Alguns estudiosos não compreenderam bem esta posição doutrinária e pensam que matéria e Espírito são a mesma coisa. Kardec e os Espíritos negam a concepção abstraia do Espírito, conforme a teologia e a metafísica antiga, porque essa concepção torna o Espírito inacessível ao pensamento humano. Por isso Kardec afirma que a alma (Espírito encarnado, que anima o corpo) ou o Espírito (o ser desencarnado) é alguma coisa. O mesmo acontece hoje na Parapsicologia, quando Rhine e seus companheiros constatando que o pensamento não se sujeita às leis físicas, afirmam a sua natureza extra-física, evitando adotar a expressão espiritual, que levaria muitos a uma interpretação teológica. O estudante de Espiritismo deve atentar bem para este problema. (N. do T.)

(9) Comprenez d’abord moralement, diz o original. A tradução geralmente usada: Compreendei primeiro moralmente é literal, mas não corresponde ao sentido do texto, pois moralmente não têm, na nossa língua, todas as acepções do francês. No original isso quer dizer, segundo o leitor pode verificar num bom dicionário francês: segundo as possibilidades do campo das opiniões ou do sentimento. (Ver, por exemplo, os dicionários Larousse ou Quillet). (N. do T.)

(10) O texto francês disse: Lê perisprít peut varier et changer à l’lnfinit: l´âme est Ia pensée: elle ne change pás de nature. As traduções, em geral, são literais, mas não correspondem ao sentido do texto. La pensée, no caso, quer dizer inteligência, segundo a proposição cartesiana vigente na época: o pensamento é o atributo essencial do Espírito e a extensão é o da matéria. Consulte-se o verbete pensée num bom dicionário francês. Dizer hoje, e particularmente em português, que a alma é o pensamento equivale a deixar o leitor em dúvida quanto ao sentido da frase e quanto ao significado da palavra pensamento no Espiritismo, onde a alma como o Espírito, são o principio inteligente e, portanto a inteligência em sentido lato, origem do pensamento. (N. do T.)

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