IX – Paraíso, Inferno, Purgatório. Paraíso Perdido (Perguntas 1011 a 1019) – O Livro dos Espíritos

1.011. Um lugar circunscrito no Universo está destinado às penas e aos gozos dos Espíritos, segundo os seus méritos?

— Já respondemos a essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição do Espírito. Cada um traz em si mesmo o princípio de sua própria felicidade ou infelicidade. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado se destina a uns ou a outros. Quanto aos Espíritos encarnados, são mais ou menos felizes ou infelizes segundo o grau de evolução do mundo que habitam.

1.012. De acordo com isso o Inferno e o Paraíso não existiriam como os homens os representam?

— Não são mais do que figuras; os Espíritos felizes e infelizes estão por toda parte. Entretanto, como já o dissemos também, os Espíritos da mesma ordem se reúnem por simpatia. Mas podem reunir-se onde quiserem, quando perfeitos.

Comentário de Kardec: A localização absoluta dos lugares de penas e de recompensas só existe na imaginação dos homens. Provém da sua tendência de materializar e circunscrever as coisas cuja natureza infinita não podem compreender.

1.013. O que se deve entender por Purgatório?

— Dores físicas e morais: é o tempo da expiação. É quase sempre na Terra que fazeis o vosso purgatório e que Deus vos faz expiar as vossas faltas.

Comentário de Kardec: Aquilo que o homem chama Purgatório é também uma figura pela qual se deve entender, não algum lugar determinado, mas o estado dos Espíritos imperfeitos que estão em expiação até à purificação completa que deve elevá-los ao plano dos Espíritos felizes. Operando-se a purificação nas encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corpórea.

1.014. Como se explica que Espíritos que revelam superioridade por sua linguagem tenham respondido, a pessoas bastante sérias, a respeito do Inferno e do Purgatório, de acordo com as ideias vulgarmente admitidas?

— Eles falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando essas pessoas estão muito imbuídas de certas ideias eles não querem chocá-las muito rudemente, para não ferir as suas convicções. Se um Espírito fosse dizer, sem precauções oratórias, a um muçulmano, que Maomé não era um profeta, seria muito mal recebido.

1.014-a. Concebe-se isso de parte dos Espíritos que desejam instruir-nos. Mas como se explica que Espíritos interrogados sobre a sua situação tenham respondido que sofriam as torturas do Inferno ou do Purgatório?

— Quando eles são inferiores e não estão completamente desmaterializados conservam uma parte de suas ideias terrenas e traduzem as suas impressões pelos termos que lhes são familiares. Encontram-se num meio que não lhes permite sondar o futuro senão de maneira deficiente. Essa é a causa por que em geral os Espíritos errantes, ou recentemente libertados, falam como teriam feito se estivessem na vida carnal. Inferno pode traduzir-se por uma vida de provas extremamente penosas, com a incerteza de melhora; Purgatório por uma vida também de provas, mas com a consciência de um futuro melhor. Quando sofres uma grande dor não dizes que sofres como um danado? Não são mais que palavras, sempre em sentido figurado.

1.015. O que se deve entender por alma penada?

— Uma alma errante e sofredora, incerta do seu futuro, à qual podeis proporcionar um alívio que frequentemente ela solicita ao vir comunicar-se convosco. (Ver item 664).

1.016. Em que sentido se deve entender a palavra Céu?

— Crês que seja um lugar como os Campos Elísios dos antigos, onde todos os bons Espíritos estão aglomerados e confundidos, sem outra preocupação que a de gozar na eternidade uma felicidade passiva? Não. É o espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores em que os Espíritos gozam de todas as suas faculdades, sem as tribulações da vida material nem as angústias inerentes à inferioridade.

1.017. Disseram alguns Espíritos habitar o quarto, o quinto céu, e etc.; o que entendiam por isso?

— Vós lhes perguntais que céu habitam, porque tendes a ideia de muitos céus sobrepostos como os andares de uma casa: então eles respondem de acordo com a vossa linguagem. Mas para eles as palavras “quarto, quinto céu” exprimem diferentes graus de purificação e por conseguinte de felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se ele está no Inferno. Se for infeliz dirá que sim porque para ele Inferno é sinônimo de sofrimento; mas ele sabe muito bem que não se trata de uma fornalha. Um pagão vos responderia que estava no Tártaro.

Comentário de Kardec: Acontece o mesmo com outras expressões análogas, tais como as de cidade das flores, cidade dos eleitos, segunda ou terceira esfera, etc., que não são mais do que alegorias empregadas por certos Espíritos, seja como figuras, seja por ignorância da realidade das coisas e mesmo das mais simples noções científicas.

Segundo a ideia restrita que outrora se fazia dos lugares de penas e de recompensas, e sobretudo de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do Universo, que o Céu formava uma abóbada na qual havia uma região de estrelas, colocava-se o Céu no alto e o Inferno embaixo. Daí as expressões: subir ao Céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado no inferno. Hoje, que a Ciência demonstrou que a Terra não é mais que um dos menores mundos entre tantos milhões de outros, e sem importância especial; que traçou a história da sua formação e descreveu a sua constituição, provando que o espaço é infinito, de maneira que não há nem alto nem baixo no Universo, faz-se necessário renunciar a colocar o Céu acima das nuvens e o Inferno nos lugares baixos. Quanto ao Purgatório, nenhum lugar lhe havia sido marcado. Estava reservado ao Espiritismo dar sobre todas essas coisas a mais racional explicação, a mais grandiosa e ao mesmo tempo a mais consoladora para a Humanidade. Assim, podemos dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e o nosso paraíso e que encontramos o nosso purgatório em nossa encarnação, em nossas vidas corpóreas ou físicas.

1.018. Em que sentido se devem entender as palavras do Cristo: “Meu reino não é deste mundo?”

— O Cristo respondeu em sentido figurado. Queria dizer que não reina senão sobre os corações puros e desinteressados. Ele está em todos os lugares em que domine o amor do bem, mas os homens ávidos das coisas deste mundo e ligados aos bens da Terra não estão com ele.

1.019. O reino do bem poderá um dia realizar-se na Terra?

— O bem reinará na Terra quando entre os Espíritos que a vêm habitar os bons superarem os maus. Então eles farão reinar o amor e a justiça, que são a fonte do bem e da felicidade. É pelo progresso moral e pela prática das leis de Deus que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e afastará os maus. Mas os maus só a deixarão quando o homem tenha banido daqui o orgulho e o egoísmo.

A transformação da Humanidade foi predita e chegais a esse momento em que todos os homens progressistas estão se apressando. Ela se realizará pela encarnação de Espíritos melhores que constituirão sobre a Terra uma nova geração. Então os Espíritos dos maus, que a morte ceifa diariamente, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão excluídos, porque estariam deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, cumprir missões penosas, nas quais poderão trabalhar pelo seu próprio adiantamento ao mesmo tempo que trabalharão para o adiantamento de seus irmãos ainda mais atrasados. Não vedes na sua exclusão da Terra transformada a sublime figura do Paraíso Perdido? E no homem que veio à Terra em condições semelhantes, trazendo em si os germens de suas paixões e os traços de sua inferioridade primitiva, a figura não menos sublime do pecado original? Considerado dessa maneira, o pecado original se refere à natureza ainda imperfeita do homem que só é responsável por si mesmo e por suas próprias faltas, e não pelas de seus pais.

Vós todos, homens de fé e de boa vontade, trabalhai portanto com zelo e coragem na grande obra da regeneração, porque colhereis centuplicado o grão que tiverdes semeado. Infelizes dos que fecham os olhos à luz, pois preparam para si mesmos longos séculos de trevas e de decepções. Infelizes dos que colocam todas as suas alegrias nos bens deste mundo, pois sofrerão mais privações do que os gozos que desfrutaram. Infelizes sobretudo os egoístas, porque não encontrarão ninguém para os ajudar a carregar o fardo das suas misérias. SÃO LUÍS

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